domingo, 6 de janeiro de 2008

12º Capítulo - Parte II

Agradeci a Deus quando chegou o final de semana, pois poderia beber o dia inteiro, sem me preocupar com trabalho.

Sábado de manhã, Maurício aparece no meu apartamento.

- Oi, Maurício. - Disse ao abrir a porta. Tentando disfarçar o efeito dos três comprimidos que havia ingerido.

- Você tá bem, Jê? - Olhou em meus olhos.

- To sim. Por quê?

- To te achando estranho.

- É impressão tua, amor! - Dei um longo beijo nele.

Depois de algum tempo Maurício relaxou e acabou bebendo junto comigo. Depois de alguns copos de vinho já não conseguia perceber o meu estado, que deveria ser péssimo, visto que naquele dia tomei oito comprimidos durante todo o dia, junto com vinho.

Não saímos. Adormeci assim que a noite chegou.

No domingo quando acordei, Maurício me esperava na sala.

- Você bebeu tanto que apagou, Jê.

- Desculpa, amor! Acabei estragando o teu sábado.

- Não. Eu, também, acabei dormindo logo depois de você.

Não costumávamos beber no domingo, mas insisti tanto que Maurício cedeu... Mais comprimidos... mais bebida...

Durante as duas primeiras semanas Maurício percebia que algo estava errado, mas não dava muita importância, pois eu sempre dava a desculpa de ser depressão. Talvez, ele não quisesse enxergar o que estava bem evidente.

Luciana ligou várias vezes para minha casa querendo saber como eu estava, e eu sempre inventava uma desculpa qualquer e evitava que ela fosse até o meu apartamento.

Quinze dias depois de ter começado a tomar os tranqüilizantes, acordei numa segunda-feira, em estado lamentável. Meus músculos estavam fracos. Minha mente funcionava lentamente. Meu aspecto era horrível e meu corpo tremia... Os comprimidos haviam acabado...

Arrumei-me sem me preocupar com o trabalho e fui para o consultório do Dr. Dionísio.

- Sei que eu não marquei hora, mas é que eu não tou me sentindo bem... Será que você não pode me encaixar? - Perguntei a recepcionista do consultório.

- Aguarde um pouco que eu vou ver o que posso fazer. - Sentei-me na sala de espera. Sentia-me péssimo, mas acreditava ser por causa dos meus problemas. Não conseguia perceber que os comprimidos e a bebida que tomava estavam modificando meu comportamento e minha personalidade. Estava totalmente dependente...

- Seu Jeremias, o Doutor Dionísio vai lhe atender. - A recepcionista me informou.

- Obrigado. - Entrei no consultório.

- Boa tarde, Jeremias! O que foi que aconteceu? - Dr. Dionísio perguntou.

- Estou cheio de problemas em todos os lugares, com a família, com o trabalho, com a faculdade... To me sentindo estressado, esgotado.

- Vejo pela sua ficha que eu tenho passado uns tranqüilizantes para você?

- Foi. E eles tem me ajudado muito. Mas mesmo assim me sinto esgotado. - O médico mediu minha pressão, que estava baixa e escutou meu coração.

- Acredito que isso que você está sentindo, seja um esgotamento físico. Vou mudar a medicação e passar uma licença de uma semana para você. - A única coisa que me interessava eram os tranqüilizantes.

Dr. Dionísio passou três caixas de Tranxilene de 15mg, e algumas vitaminas.

Ao sair do consultório joguei fora a receita das vitaminas e comprei os tranqüilizantes. Passei no supermercado e comprei três garrafas de vinho. Fiquei tranqüilo... Estava abastecido...

Ao chegar ao meu apartamento tomei dois comprimidos de Tranxilene e enchi um copo de vinho. Sentei-me perto do telefone e liguei para o trabalho.

- Alô. Dona Joaquina? É Jeremias. - Fiz voz de doente.

- O que aconteceu Jeremias?

- Eu to me sentindo muito mal... o médico acha que é um esgotamento... Deu-me uma semana de licença.

- Você tem um atestado?

- Tenho.

- Trate de se cuidar, Jeremias, pois as coisas aqui não tão nada bem pro seu lado. Não se esqueça de trazer o atestado. Estimo suas melhoras.

- Obrigado, Dona Joaquina. - Não me importei com uma palavra do que disse.

Passei o resto daquela semana bebendo e tomando comprimidos. Evitava, de todas as formas, que Maurício passasse em meu apartamento. Quando ele resolvia me fazer uma surpresa e aparecia, geralmente pela manhã, não atendia a porta, fingindo que havia saído.

Não sentia falta de ninguém. A bebida e os comprimidos acabavam com a minha sensação de vazio e comigo, também, só que esse último aspecto não era percebido por mim. Só conseguia me entregar cada vez mais ao bem estar causado por aquele conjunto de drogas. O vício me dominava por completo. Dividi meu salário de forma que sempre tivesse dinheiro para comprar a bebida, pois os comprimidos duravam mais tempo. A comida ficou em segundo plano. Quando sentia fome, comia uns biscoitos ou qualquer outra besteira.

Quando o sábado chegou, eu já estava tomando uma média de oito comprimidos e duas garrafas de vinho por dia. Era dia de receber Maurício. Não teria como evitar.

A campainha toca.

- Oi... Amor! - Não consigo ter uma idéia exata de como estava naquele dia, mas deveria estar horrível, pois eram dez horas da manhã e eu já estava bêbado e drogado.

- Jê!!! O que é isso?! O que você tá fazendo contigo?!

- Não esquenta! Entra aí e se serve... Tem vinho e cerveja na geladeira. - Fui cambaleando em direção à sala, enquanto Maurício ficou estarrecido.

- Por isso que você me evitou a semana toda?! Pra eu não ver você nesse estado?! - Sentei-me na poltrona, pois não conseguia ficar de pé. Maurício deu alguns passos e ficou em pé, olhando-me.

- Que estado, Maurício?! Só bebi um pouco... Eu to bem! Juro! - Gargalhei.

- Me dá esse copo aqui!!! - Maurício avançou em minha direção e me tomou o copo de vinho. - Olha como você tá Jeremias!!! Você tá um caco! Você já se olhou no espelho?! Vem cá que vou te mostrar como você tá! - Pegou-me pelo braço e me arrastou até o quarto, onde havia um enorme espelho. - Olha pra você mesmo, Jeremias!!! - Agarrou-me pelos dois braços e me colocou diante do espelho.

- To maravilhosa!!! - Gargalhei sem parar. Maurício percebeu que não conseguiria conversar comigo e foi para sala, sem falar mais nada.

Fiquei algum tempo no quarto, depois voltei para a sala, mas antes tomei mais um Tranxilene com um gole de água da pia do banheiro. - Amor! Não fica chateado comigo, eu só bebi um pouco a mais.

- Isso não vai resolver nada, Jeremias! Você sabe disso! Por que isso? Por causa do que aconteceu com seu pai? Desse jeito você só vai conseguir se afastar mais ainda dele! - Não ouvi uma palavra que falou.

- Vamos tomar um vinho?

- Jeremias!!! Você tá surdo?!

- Puxa, Maurício! Vamos esquecer essas bobagens e curtir o sábado!

- Eu te amo demais pra assistir você se destruir dessa forma, Jeremias! - Levantou-se e caminhou em direção à porta.

- Aonde você vai, amor?!

- Eu vou embora. Se você quer se destruir, eu não preciso ficar aqui.

Saiu batendo a porta com força. Sem me importar com nada do que aconteceu, liguei o rádio, servi uma dose de vinho e tomei outro Tranxilene.

Na segunda-feira, depois de passar todo o final de semana dopado, acordei às treze horas. Sentia-me um farrapo humano. Fiquei durante meia hora tentando levantar-me da cama, sem conseguir mexer um músculo, minha cabeça rodava, minha boca estava seca. Depois de muito esforço consegui me arrastar até o banheiro, onde tirei a roupa e joguei-me embaixo do chuveiro frio. Ao pegar a toalha para me enxugar, minha visão escureceu. Acordei horas depois, deitado no chão do banheiro. Cambaleei até a cozinha, em busca de algo para comer. Não conseguia ficar de pé, sentei-me no chão da cozinha, abri a porta da geladeira e busquei entre as garrafas e latas vazias alguma coisa que pudesse me alimentar. Achei um iogurte...

Por volta das dezesseis horas consegui melhorar. Procurei o vidro de Tranxilene e tomei dois comprimidos, pois meu corpo e minha mente sentiam a falta da droga. Minutos depois eu procurava a bebida... Tudo voltava ao "normal"...

Teria que ter voltado a trabalhar nessa segunda-feira, mas não consegui sair de casa. Na terça-feira, coloquei o rádio-relógio para despertar bem alto às onze horas, pois antes disso não conseguiria me levantar. Desnecessário dizer que havia esquecido que a Faculdade existia. A única coisa que ainda me preocupava era o emprego, pois sem ele não teria dinheiro para comprar comprimidos e bebidas.

Acordei sentindo-me péssimo mais fiz um esforço imenso para tomar banho e me arrumar. Todas as minhas roupas estavam sujas. Peguei uma camisa e uma calça usadas, vesti e tentei melhorar a aparência do meu rosto. Tomei quatro Tranxilene e fui para o trabalho.

Ao sair na rua, comecei a ficar tenso, pois percebi que não conseguia disfarçar meu estado, pois andava cambaleando.

Ao chegar ao trabalho, os comprimidos que havia ingerido no apartamento já dominavam minha razão.

- Bom dia, Dona Joaquina. - Encostei-me em sua mesa tentando disfarçar o meu desequilíbrio.

- Bom dia... Você tá bem mesmo, Jeremias?!

- To... Por quê? Pode me dar minha pasta pra eu começar a digitar. - Todos os digitadores pararam o que estavam fazendo e me olhavam assustados.

- Que foi pessoal?! Eu to legal! - Dona Joaquina, pegou minha pasta e me entregou com o olhar de análise. - Ah! Aqui meu atestado! - Tentei achar meu atestado médico, mas foi inútil. Deixei a mochila cair e quase caí tentando pegá-la no chão. - Acho que esqueci em casa... Posso trazer amanhã, Dona Joaquina?

- Acho que você precisa de uma licença permanente. - Respondeu ironicamente.

Peguei minha pasta e andei trôpego, até o terminal de computador. Ao sentar-me e abrir a pasta, deixei todas as folhas se espalharem pelo chão. Todos continuavam me observando. Juntei todas as folhas, com muito esforço e liguei o terminal. Comecei a digitar com a velocidade de uma pessoa que senta em frente do teclado pela primeira vez.

Percebi que Dona Joaquina saiu da sala. Depois de algum tempo ela voltou e me chamou em sua mesa.

- Jeremias, infelizmente a empresa não está mais interessada em seus serviços. Pode passar no Setor de Pessoal e assinar o seu Aviso Prévio.

- Não! Eu preciso desse emprego, Dona Joaquina!

- Pensasse nisso antes de ficar nesse estado, Jeremias... E acredite! Estamos sendo bons com você! Poderia ser por justa causa!

Depois daquela observação não consegui argumentar mais nada. Fui até o Setor de Pessoal, assinei o Aviso Prévio e saí. Quando a porta do elevador se abre no térreo, vejo Fernando.

- Tudo bem, Jere... O que você tem?!

- Tá tudo bem! Eu tou com pressa, depois a gente se fala.

Saí sem dar chances de Fernando me perguntar mais nada. Ao distanciar-me percebi que ele ficou me olhando.

Procurei um bar tranqüilo onde nenhum conhecido pudesse me ver e me embriaguei.

Um mês depois de ter sido despedido da Infortime, minha situação era deplorável.

Guardei todo o dinheiro da minha indenização pela rescisão de contrato, dentro do armário e o usava para me drogar.

Parei de ir a médicos buscar receitas para comprar tranqüilizantes. Passei a subornar o dono de uma farmácia, perto do meu apartamento, que me vendia qualquer medicação sem receita médica, em compensação eu pagava até cinco vezes mais pela caixa de tranqüilizante. Passei a tomar todo tipo de comprimido que entorpecesse meus sentidos: analgésicos, benzodiazepínicos, barbitúricos... Quando conseguia, comprava cerveja, quando não conseguia tomava uma dose maior com água.

A última vez que me lembro de ter ido à farmácia, levei todo o dinheiro que restava no armário e gastei toda a quantia em comprimidos. Foram muitas caixas. Sr. Romualdo ficou feliz com o lucro.

Adriana e Luciana ligaram várias vezes para meu apartamento, mas eu sempre dava uma desculpa e evitava a presença das duas. Luciana, ainda, tentou me fazer uma visita, mas eu não abri a porta. Sentia que as duas estavam preocupadas, mas ninguém insiste durante muito tempo, principalmente se perceber que a pessoa que precisa de ajuda não quer ser ajudada. Não sabiam o que estava acontecendo. Acabaram desistindo.

Maurício tentava de todas as formas me ajudar, mas eu não deixava que se aproximasse. Tirei o telefone da tomada. Todas as vezes que me procurava eu me fechava totalmente aos seus conselhos. Maurício tentava me salvar daquele "buraco", mas sentia que ele estava se cansando.

Um dia, Maurício parou de me procurar...

Eu era a sombra de um ser humano. Meu apartamento estava imundo, eu estava imundo. Emagreci uns dez quilos. Os tranqüilizantes e o álcool, já não faziam o mesmo efeito de antes, era só depressão, depressão, depressão... Sentia a morte chegar lentamente...

As datas ficam muito confusas em minha memória, mas, em um dia qualquer dentre todos aqueles dias iguais, de autodestruição, minha mãe apareceu em meu apartamento.

- Jeremias! Abre a porta! Sou eu! Tua mãe! - Gritou do lado de fora da porta do meu apartamento, depois de muito tocar a campainha. Ao ouvir a voz de minha mãe, foi como se um anjo viesse me salvar daquele inferno.

- Mãe!... É a senhora?! - Gritei arrastando-me em direção a porta. Não conseguia mais andar. Abri e ela ficou estarrecida com a cena que viu.

- Meu filho!!! Que é isso?! - Abraçou-me e começou a chorar.

- Calma mãe... Tá tudo bem!!! - Eu tentar convencer a minha mãe que tudo estava bem, era, no mínimo, patético.

- Eu vou te levar lá pra casa! Vamos, eu te ajudo a se arrumar! - Tentou me levantar.

- Não posso ir pra lá... E o meu pai?

- Foi ele quem mandou eu te buscar! - Ao ouvir aquela declaração, desisti do suicídio lento.

- Que bom, mãe! Eu tou precisando de ajuda! Eu to doente!... Me ajuda, mãe!

- Claro, filho! Agora vem, que eu vou te ajudar a se arrumar.

Foi muito difícil para minha mãe me vestir e descer comigo para pegar um táxi. Eu, praticamente, tinha que ser carregado, pois toda a minha coordenação motora estava afetada.

Ao chegarmos ao prédio em que meus pais moravam, todos os vizinhos olharam surpresos para a cena. Minha mãe passou meu braço pelo seu pescoço e tentava me arrastar para dentro do apartamento. O porteiro do prédio ao ver seu esforço ajudou-nos.

Ao entrarmos, vi meu pai, meu irmão e minha cunhada, sentados na sala. Ninguém se moveu de onde estava. Todos estavam com um ar de reprovação. Senti vergonha por voltar àquele lar, daquela maneira. Percebi que meu pai não tinha mandado me buscar. Nenhum dos três falou uma palavra... Ninguém manifestou um gesto de receptividade... Abaixei a cabeça e minha mãe me levou até o quarto, que antes era meu...

Fiquei em profunda depressão durante quatro dias. Abandonar o vício me pareceu fácil. Era só suportar o "baixo astral". Ignorava que meu organismo utilizava a droga que estava armazenada em minhas células.

No quinto dia, o que antes acreditava ser um drama, pareceu novela das seis. Todo o meu corpo tremia. O suor era abundante. A sensação de pânico me acompanhava o tempo todo. Era como se meu peito e minha cabeça fossem explodir. Passava a noite inteira acordado, a insônia rebelde apareceu para que eu ficasse mais tempo sentindo toda a tensão e o horror da desintoxicação. Era acometido de convulsões, que não sabia quando começavam nem quando terminavam. Vomitava e tinha diarréia o tempo todo. Só quem passa por uma desintoxicação pode saber como é horrível a sensação... É o inferno em vida!

Um comentário:

Anônimo disse...

Já passei por essa sensação, é terrível... boca seca, suor, cansaço, mecanismo lento, tremores, pupilas dilatadas, etc. Trágico