domingo, 21 de outubro de 2007

6º Capítulo - Parte II

Estava anoitecendo, quando entramos em um elevador que nos deixou em um andar cheio de grades. O local era horrível, com paredes brancas e úmidas. Vários homens andavam vestidos de pijama de um lado para o outro, com a aparência de loucos.

O homem de branco me levou até uma sala enorme cheia de camas e apontou para uma delas.

- Essa é a tua cama, tenta descansar um pouco.

- Vocês não vão fazer sonoterapia?!

- Que sonoterapia? Fica quieto aí que daqui a pouco eu vou trazer a medicação!

No mesmo momento eu enlouqueci. Corri pelos corredores até alcançar uma janela com grades de ferro e fiquei gritando por socorro. Quando percebi vários homens vestido de branco me agarram e me aplicaram uma injeção, contra a minha vontade. O sono foi incontrolável... Adormeci...

No dia seguinte, acordei ainda tonto. Deram-me um pijama para vestir e um uns seis comprimidos coloridos para tomar. O homem de branco esperou que eu tomasse a medicação e se afastou. Vesti o pijama e fiquei sentado da minha cama olhando aquele lugar horroroso e as pessoas estranhas. Depois de alguns minutos senti todos os meus reflexos mais lentos. Não me animei em levantar de onde estava até que o homem de branco reaparecesse.

- Vai tomar teu café que nós vamos te transferir para outro hospital.

Fiquei mais tranqüilo. Talvez aquilo ali fosse só uma passagem, agora eu iria fazer a sonoterapia.

Tomei o café com leite horrível que me serviram e fui encaminhado junto com outros quatro homens para um veículo que parecia uma ambulância, no entanto era cheio de grades. Eu e os quatro homens entramos na parte de trás e dois homens conduziram o tal veículo.

Depois de algum tempo chegamos a um local que parecia um hospital, mas eu não conseguia identificar em que bairro ficava e nem o seu nome. Fomos encaminhados a um senhor que no colocou em um elevador. Nenhuma daquelas pessoas nos perguntava nada. Agiam como se não estivéssemos presentes.

Ao chegarmos à ala em que ficaríamos, assustei-me. Pois o lugar era frio e impessoal. Do corredor avistei um refeitório e uma pequena farmácia. A nossa frente uma grande porta de ferro se abriu e os homens mandaram que nós entrássemos.

Fiquei estarrecido com o local. As paredes não tinham pinturas. Havia um grande corredor, com várias portas. Cada uma, a entrada de um dormitório. Eram imundos e cheiravam mal. As camas não tinham lençóis, nem travesseiro. No fundo do grande corredor havia um enorme banheiro, que mais parecia um chiqueiro, no chão havia uma lama marrom formada por urina, fezes e vômito. Um rapaz negro, totalmente sem coordenação motora, ajoelhado na lama, tentava levantar-se.

Como poderiam tratar alguma pessoa, num lugar onde nem animal consegue viver?!

Não aceitei ter que ficar naquele ambiente horrendo. Corri para a porta de ferro e comecei a bater e a gritar, outros internos me acompanharam. Fizemos uma algazarra. Foi inútil... Ninguém abriu a enorme porta de ferro... Cansados, acabamos por desistir...

Havia um rapaz que se insinuava para mim, Numa das noites que permaneci ali, ficamos juntos, nos beijamos, mas não rolava sexo, aquelas injeções broxavam a gente completamente.

A porta só se abria para comermos e para tomarmos injeção. As janelas, as portas do elevador e da escada tinham grades de ferro. Não havia como escapar daquele local. Um dia, aproveitando o horário da refeição, que era o único em que saíamos daquela ala para uma sala ao lado, percebi que a porta da escada que dava para saída estava entreaberta. Esperei todos se servirem, sentei-me próximo e quando o enfermeiro responsável se distraiu, iniciei uma corrida por aquela escada que deu no corredor principal. Como eu estava com o uniforme de interno, não demorou para que um bando de enfermeiros estivesse correndo atrás de mim até me agarrar e jogar no chão. Aplicaram-me uma injeção que me dopou completamente! Acordei naquela maldita ala infecta!

Dia sim dia não, pela manhã, os psiquiatras nos ouviam para ver como estavam. Mas na verdade, tudo o que dizíamos entrava por um ouvido e saía pelo outro. E éramos trancados novamente. Aquilo era uma prisão desumana!

Minha família por não conseguir me ver, começou a ficar preocupada e iniciaram uma batalha para me tirar daquele lugar que, depois vim a saber, era o Hospital Pedro II no Engenho de Dentro.

Fiquei muitos dias naquele lugar sombrio. Acho que quase duas semanas...

Por sorte, meu pai conhecia uma pessoa que era amiga do diretor do hospital. Dessa forma conseguiram me tirar de lá. Caso contrário, não sei por quanto tempo ficaria enclausurado naquela prisão.

No dia em que saí do hospital, era hora de enfrentar a situação que eu havia criado, pois mostrando o bloco para meu pai ele naturalmente já tinha a confirmação da minha homossexualidade. Não sabia qual seria a sua reação

- Jeremias, senta aí que nós precisamos conversar. - Meu pai disse, assim que entramos em casa.

- O senhor leu o bloco?

- Li... Eu já sabia de tudo que estava escrito ali... Não sou bobo, Jeremias. Sou um homem vivido. Com tempo percebi que nada tinha mudado contigo... Mas se eu agi da forma como agi na sua adolescência, foi porque eu queria te poupar de tudo isso que você tá passando.

- Mas não é uma coisa que se possa escolher...

- Não pense que eu vou te botar pra fora de casa, por isso... Mas se você quiser continuar aqui em casa vai ter que seguir algumas regras.

- Quais?

- Não quero nenhum amigo seu aqui dentro de casa... Entendeu?... Deixa todas as suas transações pela rua. Combinado? - Para mim aquilo seria a coisa mais fácil a ser seguida. Nunca havia levado ninguém. – E parar com essa bebedeira sem fim! A cachaça não vai te levar a lugar nenhum! – Essa parte não me parecia tão fácil...

- Por mim, tudo bem.

Parecia que tudo iria voltar ao normal. Parei de beber e arranjei um emprego de Auxiliar de Escritório em uma Seguradora.

Um ano depois, numa sexta-feira a casa estava vazia, pois minha mãe e meu pai tinham ido viajar. Embriaguei-me no Boêmio. Jade havia retornado. Resolvi levar um "gatinho", desses que sai com a sua carteira, para curtirmos uma noite em minha casa, pois meus pais só retornariam da viajem no domingo.

Foi uma farra. Tomamos banho juntos. Fizemos bagunça na casa. Transamos na cama dos meus pais. Comemos tudo o que tinha de bom na geladeira. Bebemos muita vodka com suco de laranja. Nossa última transa foi no tapete da sala, onde acabamos adormecendo.

Sábado de tarde, meus pais adentram a sala, encontrando eu e meu "gatinho", que hoje nem lembro o nome, nus e abraçados. Acordamos e foi um “corre-corre”. Eu ainda meio bêbado pegava um short para vestir. Ele tentava explicar para o meu pai que não era nada daquilo que estava vendo, enquanto vestia a cueca. Meu pai avançou para bater no "gatinho" e minha mãe apartou. Eu, rapidamente, o levei para fora de casa, sem esquecer o dinheiro da sua passagem, pois tipos como esse, não têm um centavo no bolso. Ele ainda teve coragem de me perguntar quando nos veríamos de novo. Sem responder, bati a porta.

Depois desse episódio fui gentilmente convidado pelo meu pai a sair de casa. Nessa época eu ainda trabalhava na tal seguradora.

Prometi a mim mesmo, pela centésima vez, parar de beber.

Fui morar num hotel barato no centro da cidade. Se é que se pode chamar aquilo de hotel. Depois passei por uma sucessão rápida de empregos, até que consegui um de digitador. Com muita dificuldade e com a ajuda de minha mãe, aluguei um apartamento. Meu pai não me perdoou, mas minha mãe continuou me ajudando.

Foi aí que percebi o quanto minha mãe era minha amiga. Ela recebe uma pensão do meu falecido avô e devido a isso não depende do dinheiro de meu pai. Mas não foi só financeiramente que ela colaborou comigo, sempre foi e tem sido, ao jeito dela, uma boa amiga.

Tudo parecia que ia se ajeitar, mas a extrema pena que sentia de mim mesmo, não deixava espaço para uma mudança de atitude. A boa e velha depressão sempre dava as caras, me corroendo como veneno que minava minhas forças... Esse não era o ponto final da autodestruição... Eu não me amava, não gostava do que via no espelho e, sem estar fortalecido na minha auto-estima, outras fases ruins, muito ruins viriam...

Nenhum comentário: