domingo, 30 de setembro de 2007

5º Capítulo - Parte III

Meu interesse por Aírton já era algo que não podia mais controlar. Acho que mesmo ele percebia em meu olhar, visto que sempre fui alguém cujos olhos falavam. Sentados naquela cama, dentro daquele quarto, minhas fantasias borbulhavam.

- E você tem alguém? - Perguntei a Aírton

- Você quer saber se eu tenho um caso? Não. - Meu coração bateu forte. Tudo estava ao meu favor, exceto por Jonas.

- Vai sair?

- Vou ao Boêmio.

- Boêmio? É um bar?

- Você não conhece o Boêmio?!

- Não.

- É uma boate gay. Fica na Cinelândia. - Fiquei excitado com a idéia.

- Nunca fui a nenhuma, mas tinha a maior vontade de conhecer.

- Você não conhece nenhuma?!

- Não. É sério!

- Você é um caso raro!

- Eu queria conhecer. Você me leva qualquer dia desse?

- Claro! Que ir hoje comigo? - Lembrei-me do que Jonas havia dito a respeito de Aírton e seu ex-caso.

- Não... hoje não dá... Outro dia.

- Peraí. - Pegou um cartão dentro do bolso de uma calça e me deu. - É o telefone do meu trabalho. Eu to lá sempre depois das dez e antes das seis.

Aírton colocou uma música no rádio, que logo chamou a atenção de Jonas que veio até o quarto de seu rival.

- Vamos, Jeremias!

- Oi, Jonas! Como vai?! - Disse Aírton ironicamente.

- Oi... Vamos, Jeremias? - Seu olhar era de ciúme e ódio. No entanto, Aírton brincava com a situação. Era como se tivesse certeza que seu poder de sedução era infinitamente maior que o de Jonas.

- Vamos. - Lamentei profundamente ter que dar satisfações a ele. Caso contrário, poderia conhecer o Boêmio e ficar ao lado de quem realmente me interessava.

Jonas, aborrecido, não deu uma palavra até chegarmos ao ponto do ônibus. Senti que deveria acabar o que não havia começado, pelo menos para mim.

- Jonas... Preciso conversar sério, contigo.

- Pode falar... Eu já vi esse filme mesmo!

- Que filme, Jonas?! Será que você não sente que a gente não tem afinidade nenhuma?!

- Com o Aírton você tem?!

- Não é nada disso que você tá pensando! Não existe nada entre eu e Aírton!

- Mas tem grandes possibilidades! - Ironicamente.

- Não dá mais, Jonas! Nosso relacionamento não tem o menor sentido! A gente não consegue nem bater um papo que satisfaça aos dois! Vai dizer que você não sente isso?!

- Nós nos conhecemos outro dia. Essas coisas precisam de um tempo pra acontecer.

- Desculpa o que eu vou te dizer, Jonas... mas é que... não me sinto atraído por você... nem pelas suas idéias... Não sinto que possa me apaixonar por você...

- É o fim, né?

- É...

Uma lágrima rolou pelo seu rosto. Senti culpa por ter alimentado seu desejo por mim.

Jonas não falou mais nenhuma palavra. Fez sinal para um táxi que passava, entrou sem se despedir e não olhou para trás. Foi horrível a sensação de magoar alguém. Sabia bem como era difícil ser magoado.

Fui para o primeiro botequim e me embriaguei. No domingo não saí do meu quarto. Sentia-me culpado, fiquei em dúvida se trocar uma pessoa certa como Jonas pela hipótese de Aírton, era uma boa escolha.

A semana transcorreu sem novidades até que na quinta-feira, tomei coragem e liguei para Aírton.

- Alô! Por favor, gostaria de falar com Aírton.

- É ele.

- Oi Aírton! É Jeremias.

- Oi cara! Tudo bem? Que surpresa boa!

- Quem bom que você ficou feliz. Não sabia se deveria ligar pra você.

- Eu não te dei o telefone? Foi pra me ligar... O que que você manda?

- O teu convite de me levar na boate tá de pé?

- Claro! Vamos no sábado?

- Ótimo! Mas eu não queria ir na tua casa. Depois eu te explico o motivo.

- Tá legal! Vamos fazer o seguinte... Você conhece o Amarelinho na Cinelândia?

- Conheço.

- No sábado você me espera lá por volta das dez.

- Tá combinado.

Desliguei o telefone com a certeza que tinha tomado a decisão certa. Aírton era o homem que me completava. Só de ouvir sua voz sentia-me renovado. A partir daquele momento Jonas desapareceu totalmente da minha mente.

No sábado, escolhi minha melhor roupa, o que não foi difícil, visto que, nessa época eram bem poucas as opções no meu armário. Havia comprado uma garrafa de vodka de boa qualidade, pois cachaça iria me denunciar assim que falasse com Aírton.

Meus pais haviam desistido de mim. Por parte da minha mãe, ainda restava alguma esperança, mas pelo meu pai e meu irmão era considerado um caso perdido. Vivíamos na mesma casa, mas era como se eu não existisse.

Tomei umas cinco doses de vodka com suco de laranja e fui me encontrar com a primeira paixão da minha vida.

Descobri que Aírton não era pontual, pois chegou ao Amarelinho às 11h20min. Se não fosse a minha enorme curiosidade em conhecer o Boêmio, teria desistido.

- Demorei muito? - Disse Aírton, batendo em minhas costas.

- Não! De jeito nenhum! Só uma hora e meia! - Brinquei.

- Desculpa Jeremias é que eu não sou nada pontual. Mas tenho outras qualidades. - Sorriu maliciosamente.

- To doido pra conhecer a boate!

- Vamos lá! Essa hora é que começa a ficar bom.

Antes de irmos, pedimos um chope em um bar e contei sobre meu rompimento com Jonas.

- Só de olhar pra vocês a gente via que vocês não tinham nada a haver um com o outro. O problema do Jonas é que ele é muito careta. Não gosta de dançar, de sair, de beber... Parece que já morreu... E ainda me culpa por eu ter ficado com Dinho. - Observou Aírton.

- Quem foi Dinho?

- Era caso do Jonas... acabou se cansando da chatice dele. Nós começamos a conversar e vimos que tínhamos coisas em comum...

- Não deu certo?

- Não. Ele me trocou por outro.

- Eu não planejei machucar o Jonas.

- Eu sei, Jeremias. Dá pra ver que você tem bom coração.

- Você é um cara bacana, Aírton.

- Mas cheio de defeito. Sou romântico, carente e chego atrasado. - Brincou.

- Eu também, Só não chego atrasado. - Rimos

- Você também parece ser muito bacana. - Seu olhar brilhou ao me dizer isso.

Atravessamos a Cinelândia e pegamos uma rua mal iluminada. Comecei a ouvir o som alto de música. Logo avistei um grupo de rapazes em frente a uma porta de onde se podia ver uma longa escada. O som ficou bem mais alto. Pagamos nossas entradas para dois homens, enormes e mal encarados. Subimos a escada e ao entrarmos na boate, pude perceber que não havia nenhuma mulher. O ambiente era meio escuro, iluminado apenas, por luzes vermelhas e azuis. Havia uma grande bola espelhada no centro, que rodava e emitia reflexos coloridos por todo o local. Havia mesas de madeira encostadas nas paredes e um pequeno bar ao fundo. O que mais chamava a atenção era uma escada decorada, que servia como palco para o show que era apresentado no final da noite.

O lugar era bem simples, chegava a ser pobre, mas os freqüentadores eram bem animados. Dançavam e riam o tempo todo. Depois de um tempo analisando, percebi que existiam homens masculinos e femininos. Os ativos e os passivos. Essa separação, apesar de sutil nos trejeitos, e no próprio relacionamento, fica bem marcada no olhar. O ativo tem um olhar diferente de um passivo e isso ninguém te ensina, é instintivo.

Aírton, após beber uma cerveja, começou a dançar acompanhado por mim. Parecia um sonho. Não lembro quanto tempo ficamos dançando até que, vencidos pelo cansaço, parássemos.

Ao sentarmos à mesa, notei que vários casais de homens, se beijavam. Achei aquilo fascinante. Um lugar onde pudesse expressar livremente meus sentimentos.

- Que que você achou? - Aírton gritou em meu ouvido.

- Super legal! Super dez! - Respondi da mesma forma.

Nesse momento, começam a tocar as músicas românticas. Chamei Aírton para dançar e ele aceitou. Primeiro começamos meio distante um do outro, mas conforme a música se desenvolvia, tomei a iniciativa e me aproximei a ponto de nossas faces se unirem. Em um determinado momento comecei a passar a mão pelas suas costas. Aírton afastou seu rosto do meu e olhou fundo em meus olhos. Nada precisava ser dito. Estávamos atraídos um pelo outro. Ele me beijou... Não consigo descrever a sensação que senti naquele momento... Poder expressar meus sentimentos para o homem por quem estava apaixonado, em público e sem precisar me importar com que os outros iriam dizer. Esse dia ficou marcado dentro de mim para sempre.

Mas, a vida sempre me reservava um preço a pagar pelos bons momentos...

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