domingo, 22 de julho de 2007

2º Capítulo - Parte III

- Jeremias! O que significa isso?! - Mostrou-me o diário. Eu gelei.- Você só me envergonha, Jeremias! - E me deu uma surra, em jejum.

Logo depois ele me chamou para tomar café.
- Senta aí, Jeremias! - Sentei e me servi, calado.- Por que você faz isso, Jeremias? Bicha é a pior coisa do mundo! Isso parece um castigo, meu Deus! Eu preferia ter um filho marginal a ter uma bicha dentro de casa!
Foi horrível ter que ouvir aquilo do próprio pai. Na minha mãe eu não encontrava nenhum apoio. Ela não me agredia, mas, também, não me defendia.



Uma manhã, meu pai estava no banheiro escovando os dentes. Quando foi secar o rosto, viu uma mancha na toalha, como se alguém tivesse limpado a boca pintada com batom.
- Jeremias!!! - Estava em meu quarto. Ao ouvir seu grito corri até o corredor do apartamento. - O que é isso aqui?!!! - Mostrou-me a mancha na toalha.- Não sei... - Respondi baixo, tentando identificar o que era aquilo.- Não sabe?! Isso aqui é batom, Jeremias! Você nunca vai aprender a ser homem!

Pegou a toalha, enrolou na mão e dessa maneira foi me batendo no rosto até eu cair na poltrona da sala. Minha mãe viu tudo e nada falou.

Aquela mancha poderia ser do batom da minha mãe ou qualquer outra coisa. Tenho certeza que não fui eu quem a fez. Mas ninguém me perguntou nada... Eu era bicha... Para eles, isso bastava para eu ser culpado...



Ao perceber que as surras não me transformariam no homem que ele sonhava, meu pai resolveu mudar de estratégia. Nessa época eu tinha dezesseis anos.

Uma noite, ele trouxe um amigo do trabalho, para jantar em nosso apartamento.
- Donato, quero te apresentar minha família! Essa aqui é minha mulher Madalena e esses são os meus dois filhos Jeremias e Rodrigo. - Eu achei aquele homem entediante. O Sr. Donato aparentava ser bem velho e tinha uma enorme barriga. Vestia calça e camisa de tergal cinza e usava uns óculos enormes com lente parecendo fundo de garrafa.

Passei o jantar todo calado. O que mais queria era que aquele amigo do meu pai fosse embora para que eu pudesse voltar para meu quarto, lugar de onde raramente saía.

Em um determinado momento o Sr. Donato me fez uma pergunta.
- Jeremias, você gosta de música?
- Gosto... - Assustei-me com aquele interesse.- Que tal a gente ir num lugar que eu conheço? Lá tem todo o tipo de música. - Tinha um enorme medo de expor minha opinião. Na dúvida preferia ficar "em cima do muro".- Não sei... pode ser...

- Vai Jeremias! O Donato conhece um bocado de lugar legal! Só assim você sai de casa! - Meu pai interferiu.- É mesmo, Jeremias! Você vai se distrair! - Minha mãe ajudou.- Tá bom... - Sentia-me encurralado. Não tinha vontade própria. Na verdade, detestei a idéia.- Que tal amanhã, sábado? Eu passo aqui às sete. - Aquela proposta me pegou de surpresa.- Não sei... Amanhã?...

- Excelente, Donato! Pode passar amanhã que ele vai. - Meu pai respondeu por mim. Eu estranhei muito o entusiasmo dos meus pais para que eu saísse com aquele velho. Mas não conseguia imaginar quais eram as suas intenções. Era um adolescente bastante ingênuo, pois vivia num mundo só meu, com as minhas fantasias, era uma forma de defesa.



No dia seguinte, na hora marcada, Sr. Donato apareceu.

Arrumei-me muito contrariado, mas se aquilo servisse para melhorar o ambiente dentro de casa, valeria à pena.
- Vamos a um lugar interessante, Jeremias! Você vai gostar! - Sr. Donato falou.- Claro... - Tentei esboçar um sorriso.

Saímos sob os olhares satisfeitos de meus pais. Eu continuava sem entender o porquê daquela situação.

Na rua Sr. Donato fez sinal para um táxi.
- Eu não tenho dinheiro pra táxi. - Observei.- Não tem problema! Hoje eu pago tudo. - Achava aquele homem muito chato.

Ele deu o nome de uma estrada em Campo Grande para o motorista. Eu estranhei a distância... Não teria um lugar interessante mais perto?!

Depois de uma hora e meia chegamos a um casarão solitário na estrada, com uns letreiros em néon. Achei o lugar muito esquisito. O ambiente era escuro. Haviam muitas mesas espalhadas, algumas luzes vermelhas e azuis. Estava vazio e tinha uma máquina de músicas, dessas que se coloca uma ficha e escolhe a música. Interessei-me por ela.
- Onde a gente compra ficha pra colocar naquela máquina de música? - Perguntei ao seu Donato.- Eu compro pra você. Senta aqui nessa mesa. - Olhei, detalhadamente, o ambiente e continuei achando-o estranho. De repente, Sr. Donato apareceu atrás de mim acompanhado de uma garota.- Trouxe a tua ficha e uma amiga minha pra vocês escolherem juntos uma música. - Achei estranho o fato de aquela garota estar sozinha naquele fim de mundo.- Tudo bem. Qual o nome dela? - Perguntei- Tininha. Esse é o Jeremias, Tininha. - Ela avançou e me deu um beijo no rosto. Depois fomos até a máquina e acabamos encontrando uma música que agradava a nós dois. Sr. Donato já tinha bebido algumas doses de uma bebida forte. Ficamos os três escutando a música, quando em um determinado momento Sr. Donato puxou Tininha e falou algo em seu ouvido.- Você não quer uma bebida, Jeremias? - Tininha perguntou- Não, obrigado. Eu não bebo bebida alcoólica.

- Ah! Mas essa que eu vou pegar você vai gostar! - Tentei sorrir e ela foi até o bar pedir a tal bebida.- Bebe um golinho. - Ofereceu-me um copo pequeno com algo de cor vermelha e que cheirava a cachaça.- É... Bom... - Disse após tomar um gole, meus olhos se encherem de lágrimas e minha garganta arder. Era horrível...- Jeremias eu moro aqui atrás da boate. Você não quer conhecer meu quarto? - Perguntou e descobri que aquilo era uma boate.- Não, obrigado... Deixa pra outro dia. - Achei esquisito aquele convite. Eu mal a conhecia e ela queria me mostrar o lugar onde morava.- Vai lá rapaz! Você vai gostar! A Tininha é legal! - Aquela insistência me irritou. Sr. Donato tomou mais um copo daquela bebida horrorosa.- Não tou com vontade. - Ele cochichou novamente no ouvido de Tininha.- Jeremias, vamos dar uma volta ali fora? - Sr. Donato perguntou e eu estranhei o convite, afinal, lá fora só existia estrada e mato. Mesmo assim, fui, pois poderia ser que ele quisesse falar algo que a sua amiga não pudesse escutar.

Ao lado da boate havia uma rua de barro e foi por ela que Sr. Donato me levou.
- Aqui é onde mora a Tininha. - Olhei e achei o lugar estranho. Eram vários quartos grudados uns aos outros, como se fosse uma vila. A rua era escura. Continuamos andando. - A Tininha me disse que gostou de você. Se eu fosse você eu iria para o quarto dela. Quem sabe vocês dois lá... Você sabe! - No mesmo momento entendi tudo. Quem era a amiga dele. O que era aquele lugar. E o motivos dos meus pais quase me obrigarem a sair com aquele cara...- Olha Sr. Donato... Vou ter que falar uma coisa pro senhor.

- Fala.
- A bebida forte que ele havia ingerido, começava a fazer efeito. Ele andava trôpego.- Não fala nada pro meu pai... Mas... O caso é que... Eu não gosto de mulher... O senhor entende o que eu quero dizer?
- Sei... Você é bicha?
- Eu prefiro chamar homossexual
- Vamos ali pra aquele canto, pra a gente conversar melhor. - Estranhei. Era um canto escuro e cheio de mato.- Vamos conversar aqui mesmo. - Retruquei.

- Que tal a gente brincar um pouco... Eu vou ser carinhoso... Seu pai não precisa ficar sabendo. - Passou a mão no meu cabelo e sorriu. Eu tremi completamente...

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