domingo, 16 de setembro de 2007

5º Capítulo - Parte I

No primeiro ano de trabalho, parei de beber e esforcei-me para mostrar a minha vontade em crescer na empresa, mas com o decorrer do tempo percebi que ninguém estava interessado em meu trabalho. Quando precisavam de uma pessoa qualificada, contratavam. Nunca me davam uma chance.

Depois de ter começado a trabalhar, ainda tentei o vestibular para Administração mais um vez. Como não passei, desisti, sob o pretexto de que o trabalho consumia todo meu tempo.

O serviço era sempre o mesmo. Arquivar, digitar alguns formulários e realizar serviços externos. Sentia-me um boy de luxo.

Aquela situação foi me desestimulando e o desânimo trouxe o tédio que fez com que voltasse à bebida.

Após dois anos de trabalho, minha vida tornou-se medíocre. Realizava meu trabalho sem nenhum prazer, "empurrava com a barriga". Nos finais de semana, comprava cachaça ou vodka, misturava com refrigerante e me embriagava. Passava os sábados à noite e, às vezes os domingos, circulando pelos bares e bebendo, cada vez mais.

Continuava sozinho. Depois de Márcio e Zeca, não havia conhecido mais ninguém. Nem mesmo a desinibição provocada pela bebida facilitava um encontro. Se eu acreditasse em "caminhos fechados", diria que era isso que estava acontecendo. Também, jamais encontraria o homem dos meus sonhos em um botequim. As únicas pessoas com quem me relacionava eram os "pés-de-cana". Homens sem nada a dizer, nem a oferecer.

Minha aparência ficou ruim. Meus cabelos eram desgrenhados e ressecados. Minha pele, cheia de espinhas. Tinha poucas roupas, envelhecidas pelo uso contínuo. Meu humor era péssimo. Não conseguia me encontrar e por não conseguir, bebia mais. Entrei em um círculo vicioso que começou a me destruir.

Minha mãe percebia tudo, mas nada fazia, ou nada conseguia fazer. Meu pai desistiu, alegando que eu já era adulto e sabia o que queria da minha vida.

Cheguei a conclusão que ter desistido do suicídio na época em que Rosângela morreu, tinha sido uma grande besteira.

Peguei todos os meus escritos e comecei a passar para um bloco, que deixaria como explicação da minha desistência. Passei dias construindo aquela que seria a minha última e única obra.

Entretanto, não havia chegado a minha "hora de morrer".


Quando queria beber, costumava pegar um ônibus e saltar no primeiro bar com que simpatizasse. Não gostava de freqüentar o mesmo bar. Acho que tinha vergonha do meu alcoolismo, mesmo perto de pessoas semelhantes.

Um sábado, percebi que estava bebendo em um boteco horroso em frente a uma estação de trem. Bêbado, resolvi passear de trem, se é que se pode chamar isso de um passeio.

Uma voz no alto falante anunciou um trem, que tinha como destino a estação de Deodoro, estava na Engenho de Dentro. Entrei e sentei-me. O trem estava quase vazio. Depois de alguns minutos viajando percebi que um senhor, que sentava no banco em frente, olhava-me muito. Sob o efeito do álccol, não escolhia tipo, passei a olhá-lo. Sorriu e eu correspondi. Ele levantou-se de onde estava e sentou-se ao meu lado.

- Tá indo pra onde? - Perguntou-me

- Deodoro. - Não iria dizer que estava viajando sem destino.

- Que coincidência! Também to indo pra lá.

- Meu nome é Jeremias. Qual é o seu?
- Estendi a mão.

- Jonas. - Apertou a minha mão.

- Algum compromisso em Deodoro?

- Não... Nada importante...
- Não sabia o que responder.

- To indo pra casa de um amigo. Quer ir junto? - Pensei um pouco.

- Tudo bem. Mas não posso demorar. - Não sei se acontece a mesma coisa entre um homem e uma mulher, mas entre dois homens tudo ocorre muito rápido. É como se fossem eliminadas certas etapas na conquista.

Ele aparentava ter uns quarenta e cinco anos. Era bem mais baixo que eu. Magro, cabelos grisalhos e curtos. Trajava uma roupa discreta e usava óculos. Resumindo, não era um príncipe encantado. Na verdade, parecia mais com o sapo dos contos de fada.

Contou-me que era professor de matemática, que era solteiro e morava sozinho. Disse-me que nunca se casou por não se sentir atraído por mulheres. Confessou que sua preferência era por rapazes como eu. Eu falei sobre meu homossexualismo e sobre outros aspectos da minha vida, mas não comentei sobre o álcool.

Depois de sair da Estação de Deodoro, andamos durante uns quinze minutos por uma rua que parecia não ter fim, até chegar a um casarão com enormes muros. Ele tocou a campainha e um rapaz atendeu, abrindo o grande portão de ferro.

- Tudo bem, Plínio. Esse aqui é um amigo meu, Jeremias - Disse ao rapaz que nos atendeu.

- Prazer Jeremias! Fique à vontade! - Em um tom irônico. Percebi que a casa era velha, mal conservada, mas era bem espaçosa. Dentro dos enormes muros, havia um grande jardim e muitas árvores. Parecia bem aconchegante.

- Jeremias, vamos até ali que eu quero te mostrar a preguiça que Plínio cria! - Seu amigo incentivou, mas não nos acompanhou. A impressão que tive foi que já era uma cena preparada para situações como aquela.

- Preguiça?! É um bicho meio estranho pra se criar em um quintal!

Realmente existia um bicho preguiça dentro de um grande viveiro, construído em redor de uma árvore. O bicho era sem graça. Ficamos olhando o animal, que não se mexia.

- Jeremias... Desde que te vi no trem que me senti muito atraído por você...

- É mesmo? Que bom.
- Não dei importância à sua confissão. Ele não me atraía.

- Você tem alguém na sua vida?

- Não. Como eu te falei, eu to sempre sozinho.

- A gente poderia fazer companhia um ao outro... Eu também to sozinho...
- Aquela frase me tocou um pouco. Parecia que ele não queria só uma transa.

- É... Por que não?

Jonas aproximou-se e me beijou. Seu beijo não tinha sentimento. Era algo parado, sem emoção. Quase não consegui sentir que estava sendo beijado.

- Seu amigo deve tá esperando por nós. - Eu disse, após o beijo, tentando disfarçar a decepção.

- É mesmo.

Entramos na casa. Plínio estava na cozinha fazendo macarrão.

- Os dois pombinhos já voltaram! - O amigo de Jonas observou maliciosamente.

- Já... Jeremias tava preocupado contigo.

- Não precisa, queridinho. Eu me viro bem sozinho. - Cada vez que Plínio se dirigia a mim, sentia um tom sarcástico. Era como se ele tivesse o tempo inteiro me imitando. Não simpatizei nem um pouco com ele.

- Jonas eu to com sede. Será que a gente podia ir até a um bar beber uma cerveja? - Perguntei.

- Vamos fazer melhor. Você fica aqui, que eu vou buscar. Onde tem casco Plínio?

- Lá no quintal. - Jonas saiu e eu tive que ficar só, com aquela figura insuportável.


- Vem cá que eu vou te mostrar o resto da casa. - Limpou as mãos com um pano e me pegou pela mão.

- Aqui é um quarto que alugo. Quem tá aqui atualmente é o Aírton. Você vai conhecer. Daqui a pouco ele vai chegar da praia. - Puxou-me para a sala, que era imensa. - Aqui é a sala como você pode ver. - Apontou para outro cômodo. - Ali é o meu ninho de amor. Daqui a pouco você, também, vai conhecer meu caso. Ele tá trabalhando, mas já vai chegar. - Ao entrarmos no quarto, ele abriu o armário e tirou um enorme pote. - Vaselina. A gente usa muito. Não quer experimentar com o Jonas? - Ele era grosseiro e mal educado.

- Não. Ainda é meio cedo. Você não acha?

- Não sei. Quanto tempo vocês se conhecem?

- Há umas três horas, mais ou menos.

- Nem tanto... Mas vamos lá pra cozinha que o macarrão já deve tá pronto.
- Voltamos para a cozinha. Jonas já estava chegando com a cerveja.

- Acho que duas tá bom. Eu e o Plínio não bebemos.

- Tá ótimo.
- Respondi.

Eu era muito jovem e tudo que acontecia ia apenas vivendo. Não pensava no que estava surgindo entre mim e o Jonas. Talvez porque não tivesse mesmo nenhum interesse nele. Mal sabia que ali conheceria minha primeira paixão...

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