domingo, 14 de outubro de 2007

6º Capítulo - Parte I

Sem objetivos na vida, voltei a beber como nunca. Bebia depois do expediente e chegava tarde em casa. De manhã era difícil acordar para enfrentar mais um dia de trabalho. Vivia de ressaca. Meu chefe começou a perceber que algo estava errado comigo. Um dia chamou-me para conversar.

- Jeremias, eu to percebendo que você anda muito desatento no trabalho, chegando atrasado. O que tá acontecendo contigo? É algum problema?

- Não, Seu Ferreira... É que eu ando meio estressado. Pensei até em procurar um médico.

- Faça isso, porque se o seu desempenho não melhorar eu vou ser obrigado a despedi-lo.

- Tudo bem, Seu Ferreira... Eu vou me esforçar.

O emprego era uma porcaria, mas pior ficaria sem ele. Não teria dinheiro para beber e meu pai voltaria a me perseguir.

Parei de beber durante a semana, mas quando chegava sábado, ao invés de café da manhã, tomava caipirinha dentro do banheiro. Por volta das dez horas, saía para beber pelos bares. A noite ia para o Boêmio.

Quando comecei a freqüentar a boate, pensei que encontraria uma pessoa para substituir Aírton. Tentei várias vezes, com vários rapazes, mas uns só queriam sexo e outros só queriam dinheiro, que eu não tinha. Passei a perceber que, em geral, quem freqüentava aquele local, só queria se divertir.

A série de decepções fez com que surgisse uma nova personalidade em mim. Nasceu Jade. Era a face que usava para enfrentar aquele submundo. Jeremias estava fraco demais, envergonhado demais, perdido demais. Passei a usar esse nome para todos que eu conhecia. Jade representava meu lado autodestrutivo, alcoólatra, promíscuo e sem caráter. Criando Jade, pude preservar Jeremias, que permaneceu mudo e paralisado durante muito tempo.

Passei a sair com um homem a cada final de semana. Todos os meus relacionamentos eram superficiais, breves e regados a muita bebida.

Num desses sábados conheci um homem chamado Paulo. Ele tinha uma aparência horrível. Cabelos crespos e sem corte. Barba grande e desalinhada. Pele escura e olhos vermelhos. Trajava roupas novas, mas sujas e ao invés de sapatos, andava sempre de chinelo. Era uma figura decadente.

Meu lado Jeremias jamais chegaria perto de uma pessoa como Paulo, mas para Jade ele era perfeito.

Todo sábado me encontrava com Paulo para sairmos. A seu respeito, só sabia o seu nome e vice-versa. Ele estava sempre com muito dinheiro. Apesar de eu ter perguntado várias vezes em que trabalhava, ele nunca quis dizer. Presumo que por sua aparência e a pouca instrução, só pudesse ser algo ilegal. Enfim aquilo não me importava, ou melhor, não importava a Jade.

Paulo e Jade formavam uma dupla absolutamente depravada. Costumávamos andar pelos bares da Lapa, em busca de emoções. Quando ele encontrava um homem ou uma mulher que o agradava saía e me deixava com dinheiro suficiente para passar a noite. Quando eu encontrava um homem que me agradava, ele me dava dinheiro para que eu saísse com o cara. Quando não encontrávamos ninguém, nos divertíamos pelos bares e boates, até terminar a noite em algum motel.

Era um relacionamento sem ciúmes, sem cobrança, sem amor. Nós nos completávamos na amoralidade.

Durante um ano e meio, mais ou menos, minha vida foi realizar meu trabalho insignificante na Sonda e esperar o final de semana para encontrar Paulo. Interessante é que nunca senti falta da pessoa Paulo, sentia falta das loucuras que fazíamos juntos, sentia falta de Jade. Jeremias ficou relegado, em segundo plano.

Meu pai desistiu totalmente de mim. Quase nem falava comigo. Minha mãe passou a me ignorar. Meu irmão, a quem quase não me refiro, por quase não ter tido participação alguma em minha vida, estava recém-casado com Eliana.

Assim fui levando a vida como se esperasse que a qualquer momento a morte me libertasse daquela autodestruição. Talvez AIDS, um tiro, qualquer coisa. Eu saía com todo tipo de homem sem tomar nenhuma precaução.

Pode parecer que tudo aquilo me trazia muito prazer. Mas acredito que o único prazer que sentia era o de estar me destruindo. Sentia um verdadeiro desprezo pela minha pessoa.

Um sábado qualquer cheguei ao bar onde sempre encontrava Paulo e ele não estava. Achei estranho, pois durante todo o tempo que estivemos "juntos" ele nunca havia faltado a um encontro. Sem dinheiro voltei para casa.

No próximo sábado retornei ao bar e nada. Paulo havia desaparecido e eu não tinha onde procurá-lo. Perguntei a alguns conhecidos sobre ele e ninguém soube informar nada. Ninguém sabia nada a respeito de Paulo.

Dois meses se passaram e todos os sábados eu voltava ao bar para ver se o encontrava. Um dia, acabei desistindo...

Jeremias não precisava de Paulo, mas Jade se sentiu perdido sem o seu parceiro. A sua ausência foi substituída por mais bebida.

Voltei a beber todos os dias o dia inteiro. Não tinha hora, nem lugar. Meu pequeno salário era todo dividido para tomar um porre a cada dia. Não conseguia mais trabalhar, nem mesmo pensar. Não me alimentava. Emagreci muito.

Cansado de tanto me dar oportunidade, meu chefe tomou uma decisão.

- Jeremias, não dá mais pra ficar com você. Você tá doente. Alcoolismo é doença... Eu não vou te mandar embora por justa causa, até poderia, mas não vou... Aqui tá a sua demissão.

Ouvi o que ele falou, mas não consegui raciocinar direito. Era como se uma nuvem escura nublasse meu lado racional. Agia por impulsos. Assinei a minha demissão, peguei minha mochila, que a essa altura era um farrapo como eu e saí em busca do primeiro bar.

Não sei como cheguei em casa naquele dia. Quando acordei no dia seguinte, estava em minha cama e de roupa trocada. Tive nojo de mim mesmo. Não suportava mais ficar sóbrio e ter que perceber a minha existência.

Levantei da cama cambaleando e peguei uma garrafa de vodka que escondi atrás do armário. Ainda tinha muita vodka, quase a metade da garrafa. Bebi tudo de uma vez só. Liguei o rádio a todo volume.

Minha mãe que cozinhava, ao ouvir o som estridente, correu até o meu quarto.

- Jeremias! O que é isso?! - Eu dançava segurando a garrafa.

- Qualé, mãe! Vem curtir a vida! Vamos dançar.

Agarrei minha mãe e a obriguei a dançar. Assustada ela deu um jeito de se desvencilhar de mim e ligar para o meu pai e para a minha cunhada.

Depois desse momento tudo ficou muito confuso na minha mente, não consigo me recordar exatamente o que aconteceu. Só lembro-me de ver meu pai, Eliana e minha mãe tentando me convencer a abaixar o rádio. Depois, minha cunhada tentou me dar sopa, foi quando enlouqueci e comecei a quebrar as coisas dentro de casa.

A bebida já havia afetado a minha sanidade mental. Após a crise de loucura, chorei por muito tempo, deitado no chão.

- Jeremias, você tá muito cansado. Você não acha melhor fazer uma sonoterapia? - Minha cunhada perguntou. Eu me mantinha encolhido no chão com a cabeça entre as pernas. O rádio estava muito alto, pois ninguém se atrevia a abaixá-lo.

- É mesmo... Talvez seja bom... - Disse levantando a cabeça.

- Então, nós vamos te levar. Toma esse copo de leite que vai te acalmar.

- Antes de ir eu quero deixar uma coisa com meu pai. - Ele assistia a tudo, sério e calado. Eliana me ajudou a ir até o meu quarto e peguei o bloco com todos os meus textos. - Mas só vou dar pra ele quando tiver entrando na clínica!

- Tá bom, Jeremias. Vamos.

Percebendo meu estado há alguns dias, meu pai arrumou uma internação no Hospital Pinel.

Eu falava frases desconexas e ria muito. Pensava que iria fazer uma sonoterapia e dessa forma me libertaria de mim mesmo por uns dias.

Fomos de carro. Ao chegarmos, fui entregue a um homem vestido de branco que me levou até uma sala, onde conversei com uma moça que acredito ser psicóloga. Não lembro o que conversamos. Ela falou algo com meu pai e minha mãe e chamou o homem de branco novamente.

Dei o bloco para o meu pai e segui o homem, acreditando que seria uma sonoterapia... Doce engano. Era o início de uma estadia num lugar que mais parecia um presídio...

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