domingo, 5 de agosto de 2007

3º Capítulo - Parte I

Cheguei aos dezoito anos sem ter tido nenhum outro relacionamento sexual. Não tinha sequer beijado alguém. Era uma situação paradoxal. Havia transado com um homem e com uma mulher e nunca tinha beijado ninguém. Sempre dei muito valor ao beijo. Queria que fosse com alguém que eu realmente gostasse.

Meus pais pararam de tentar me modificar. Com o passar do tempo eles perceberam que as coisas não haviam mudado tanto. Não tinha namorada. Não tinha amigos. Quase não falava. Ia ao colégio e quando voltava pra casa, trancava-me em meu quarto onde escrevia textos em um caderno, onde eu analisava minha vida e os demais aspectos da sociedade, como um desabafo, e ouvia cantoras da minha preferência. As vozes femininas sempre me encantaram. Havia, também, uma enorme televisão antiga, onde assistia minhas atrizes preferidas, nessa época minha predileta era Glória Pires. Adorava o jeito dela, a voz, os cabelos. Se fosse mulher gostaria de ser como ela.
Vivia num mundo de sonhos. Era a forma que eu encontrei para suportar os problemas enfrentados no colégio.

O incidente com Téo no primeiro ano do ginásio, repetiu-se no segundo ano com um garoto chamado Wagner e no terceiro com outro, Hélio. Com muito esforço, fui aprendendo a reagir como homem nessas situações, entretanto, pouca coisa eu conseguia. Esses caras geralmente eram líderes de grupos e eu sempre tinha que enfrentá-los sozinho.

Começaria o último ano do segundo grau. Chegara a época de pensar em escolher uma carreira e, também, de iniciar a vida profissional.

Os dois primeiros anos do segundo grau foram cursados em um colégio perto de onde eu morava. Nestes dois anos, fiquei na mesma turma de um garoto chamado Ivo, que se encarregou de infernizar os meus dias. Tudo sempre se repetia. Eram as chacotas, as piadas, as agressões e finalmente as brigas, para que pudesse me defender

Cansado de tantos desentendimentos com Ivo, no último ano do segundo grau, consegui que meus pais me transferissem para um colégio na Praça Saenz Penã. Claro que eles não podiam imaginar o motivo, senão seria mais um inferno para agüentar...

Havia um ponto positivo nesse colégio, os professores não faziam chamada. Ao entrarmos, nós deixávamos uma carteira que só era devolvida no fim das aulas. Logicamente para entrar no dia seguinte teria que apresentar a carteira. Dessa forma era controlada a freqüência.

Sem ter que responder chamada eu poderia passar o mais despercebido possível dentro da sala. Chegava quieto e sentava-me em uma cadeira no canto da sala, nem na primeira fila, nem muito atrás.

A primeira semana transcorreu sem problemas, até que um dia cheguei atrasado, mas o professor não estava na sala. A cadeira que costumava sentar estava ocupada. Só havia cadeiras no fim da turma. Sem opção sentei-me em uma delas. Dentro de poucos minutos pude perceber as risadas e as piadas. Não conseguia acreditar que tudo iria se repetir. Não costumava andar de forma sequer ousada. Sempre fui muito tímido. Meu uniforme era igual ao dos outros rapazes. Não usava nada que desse margem a pensarem que era homossexual, principalmente em salas de aula. Mas acredito que mesmo sutil, meu jeito transparecia muito do que era por dento.

- Olha ai, turma! Tem uma Geni na turma. - Um deles gritou, fazendo referência à música de Chico Buarque.

- É mesmo! - Outro respondeu e todos riram. Naquele momento desejei morrer a ter que passar por tudo novamente.

O professor entrou na sala e todos se calaram. Não consegui prestar atenção na aula. Na hora do intervalo dei um jeito de sair rapidamente da sala e do colégio. Fiquei sentado na praça. Sabia que tudo iria recomeçar e nada podia fazer para bloquear aquilo. Pela primeira vez pensei seriamente em suicídio. Não agüentava mais ter que viver num corpo de homem, que não pedi e, ainda, ter que ser "punido" por todos. Será que as pessoas não percebiam que não escolhi o homossexualismo?... Fui compelido a viver essa vida por ter nascido "mulher" em um corpo de homem... Por que faziam isso comigo?! Senti um misto de pena e raiva de mim mesmo... Acho que o que mais fazia com que esses fatos se repetissem era o meu jeito discreto e tímido. Talvez se eu fosse uma bicha louca e agressiva, nada disso tivesse acontecido...

Dei tempo suficiente para o professor chegar na sala quando eu voltasse do intervalo, mas foi inútil, ele não estava. Assim que entrei na sala, a turminha havia preparado uma recepção.

- Joga pedra na Geni! Joga bosta na Geni! Ela é feita pra apanhar... - Era um grupo de cinco rapazes, mas como sempre, havia um líder. Todos tinham muitas bolinhas de papel e jogavam em mim.

- Olha aqui! Se vocês continuarem com isso vão se dar mal! Vocês não sabem com quem tão se metendo! - Falei e todos gargalharam.

- Olha a vozinha dela! Eu tenho nojo de viado! - Disse Geraldo, o líder.

- Eu não te devo nada, não vivo as tuas custas, nem pedi a sua opinião!!! - Só Deus sabe o quanto aquilo me destruía por dentro.

- O problema é que você é Geni e como Geni tem que levar pedra! - E todos voltaram a jogar bolinhas de papel e a rirem. Nesse ponto toda a turma assistia à cena, sem nenhuma manifestação.

Fui até a diretoria e falei com a secretária do diretor.

- Por favor, eu queria fazer uma reclamação.

- Pode falar.
- Respondeu.

- Qual o seu nome?

- Olga.

- Dna. Olga, eu queria saber o que que vocês podem fazer para que uns caras lá da minha turma parem de implicar comigo?

- Implicar como?
- Parecia atenciosa.

- Quando eu entro na sala fazem piadas, ficam cantando a música da Geni e me jogam bolinhas de papel.

- Você sabe o nome dos alunos?

- Não. Mas posso mostrar quem é.

- Vamos até lá.


Chegamos na porta da sala e eu apontei um por um da tal turminha. Dna. Olga chamou os cinco e mandou que subissem para a secretaria.

- Vai ter volta, seu viado! - Geraldo me ameaçou, baixinho, quando passou por mim.

- Pode assistir sua aula que eles vão ser advertidos. - Disse-me, Dnª Olga, assim que subiram.

- Dna. Olga... Não dá pra a senhora me transferir dessa turma. Eles não vão me deixar em paz... Eu já sei como é, isso não para!

- Se eles voltarem a te incomodar, você volta a falar comigo que eu vou ver o que posso fazer por você.

- Obrigado, Dna. Olga.


Assisti o resto da aula apreensivo. Sabia que as coisa iriam piorar.

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