domingo, 18 de novembro de 2007

9º Capítulo - Parte I

Início de janeiro e meio de verão. Odeio o verão. Fico com a sensação permanente de que estou me afogando em alguma coisa que me tira o ar. As pessoas ficam mais nervosas, estressadas. E eu sempre banhado em suor.

Pedro não ficou comigo. No final da noite de reveillon ele me contou que, apesar de afastado por motivo de uma briga, continuava apaixonado por outro rapaz chamado Raimundo, conhecido como Rai. Preferi não arriscar, pois de paixão unilateral bastava a lição que tive ou continuava tendo com Fernando.

Sentia-me oco, como se faltasse meu próprio espírito. Como se não tivesse uma vida para viver. Resolvi procurar referenciais em alguma coisa que eu pudesse controlar. E não ficar dedicando sentimentos a pessoas que não estavam interessadas em mim.

O trabalho de operador é muito automático. Eu comecei a perceber que a área de programação além de dar mais dinheiro era mais emocionante, pois tinha o lado criativo. Talvez assim eu conseguisse preencher o meu vazio, realizando-me profissionalmente. Foi o que fiz, procurei saber qual era o melhor curso de programação que havia. Poderia cursá-lo na parte da manhã. Ficaria puxado financeiramente, mas minha mãe me ajudaria. Eu precisava daquilo para dar um sentido em minha vida. O problema seria agüentar a faculdade de Administração.

Liguei para minha mãe.

- Alô! - Meu pai atendeu.

- Pai. Sou eu, Jeremias.

- Oi. - Com o tom grosseiro de sempre.

- Minha mãe ta aí, pai?

- Tá. Vou chamar ela. - Não se despediu.

- Alô, Jeremias?! - Minha mãe atendeu.

- Oi, mãe! Como é que a senhora tá?

- Aqui. Abandonada como sempre.

- Não fala assim, mãe! A senhora sabe que o tempo é pouco e eu evito ligar pra senhora por causa do papai.

- Aparece aqui amanhã. Ele não vai tá em casa.

- Vamos fazer melhor. Por quê a senhora não vem aqui em casa amanhã de noite? To precisando falar uma coisa com a senhora.

- Vou sim, filho. Que horas?

- Lá pelas oito.

- Tá bom. Eu vou.

- Então espero a senhora.

- Um beijo, filho!

- Outro.

No dia seguinte na hora marcada minha mãe aparece no meu apartamento.

- Oi, mãe! - Disse ao abrir a porta.

- Jeremias! Como você emagreceu! - Eram sempre as mesmas observações.

- Impressão sua, mãe.

- Olha a bagunça que tá esse apartamento! - A faxineira tinha ido no dia anterior.

- Que isso mãe? Tá tudo no lugar.

- Ah, filho! Eu não me acostumo com essa distância.

- Eu sei mãe. Pra mim também é muito difícil. Mas não tem outro jeito...

- Você tá precisando de alguma coisa?

- É sobre isso que eu queria falar com a senhora...

- O que é? É alguma conta?

- Não é bem isso. É que eu quero fazer um curso de programação pra ver se eu melhoro meu nível profissional e meu salário, também.

- Você quer uma ajuda?

- É mãe. O curso é caro e eu só vou poder fazer se a senhora me ajudar.

- Quanto é?  Serve em cheque?

- Calma mãe! Eu já descobri o curso só que ainda não sei o preço real. Só sei que é caro.

- Eu pago, filho... Você tá tão magro.

***

O curso chamava-se New Program Processamento de Dados. Era o primeiro dia de aula e eu já me sentia melhor. A novidade renovava meu ânimo. Quando o professor entrou na sala foi como se estivesse vendo um deus grego. Seu nome era Eduardo. Era lindo, sensual, maravilhoso. Aquilo ajudaria muito nas aulas.

Com o passar dos dias fui me interessando cada vez mais pela matéria e pelo professor, também.

Visual Basic é uma linguagem simples, excelente para iniciantes. E Eduardo explicava muito bem. Ele era ótimo, pois conseguia passar satisfatoriamente a matéria e prender a atenção da turma e, em especial, a minha. Passei a sentar na primeira fileira. Ele dava as aulas e parecia que olhava de um modo especial para mim. Um dia resolvi puxar conversa com ele no intervalo.

- Eduardo! - Chamei-o no corredor.

- Sim. - Respondeu.

- Eu vejo o pessoal naqueles computadores ali. Quando é que nós vamos poder ir pra lá praticar o que a gente tá aprendendo?

- Você é de qual turma mesmo? - Aquilo já me esfriou.

- Dessa que você acabou de sair.

- Ah! É mesmo! Olha, na semana que vem tua turma já vai poder marcar hora para estudar nos micros. Você tem que falar com os instrutores que ficam dentro da sala.

- Obrigado! Você só dá aula aqui? - Tentei fazer com que ele me percebesse, o que ainda não tinha acontecido.

- Não. Dou aula na filial de Madureira, também.

- Eu gosto muito das tuas aulas, sabia?

- Obrigado! Verinha, pera aí! Dá licença tá? - Deixou-me ali e foi abraçar e beijar uma garotinha qualquer. Ele não me notava como eu pensava. Mais uma vez eu estava procurando a pessoa errada. Naquele dia cheguei em casa e mais uma vez chorei por alguém que não merecia. Continuava a não me valorizar...

Era sábado. Tinha uma Feira do Livro na Praça Saenz Peña. Resolvi ir até lá para ver se tinha alguma coisa de bom e aproveitar para tentar esquecer o incidente do dia anterior. Avistei uma barraca de livros de programação. Havia um livro cujo título era "Visual Basic Para Iniciantes".

- Moço! Quanto é esse livro aqui? - O vendedor não ouviu.

- Você vai comprar esse livro? - Perguntou um rapaz que estava ao meu lado.

- Vou. - Estranhei a intromissão daquele desconhecido.

- Sabe o que é? Eu trabalho com programação e sei que esse aqui tem uma linguagem bem mais simples. - Comecei a abaixar as minhas defesas, pois ele parecia entender do assunto. O livro que ele me mostrou chamava-se apenas "Visual Basic".

- Eu comecei um curso de programação e tava querendo um livro que me ajudasse. - Aceitei um papo com aquele estranho. Coisa que não costumava fazer, pois sempre fui muito tímido em um primeiro contato. Jade é que era bom nisso.

- Qual o curso que você tá fazendo?

- New Program. Conhece?

- Claro. Fica aqui mesmo na Praça. Não é?

- É. O que você acha do curso?

- Bom, muito bom. Se bem que eu prefira fazer propaganda do curso que eu dou aula!

- Você dá aula de informática?! - Eu comecei a vê-lo de uma forma mais simpática, pois a minha primeira impressão foi ruim. Ele regulava a minha idade, mas era um homem feio, na verdade muito feio. Usava óculos tinha os dentes grandes e desalinhados. Era muito magro e muito alto. Os traços fisionômicos eram desproporcionais. Os lábios eram grossos. O nariz pequeno. Os olhos grande e caídos. Enfim, eu jamais olharia para ele em uma boate, em um bar, ou seja lá onde fosse. Preconceito? Preconceito.

- Dou. Na INFI Informática. Fica no centro da cidade.

- Puxa! Que legal! Sabe que eu to super animado com as aulas. Eu tava precisando de uma coisa pra dá uma sentido na minha vida. E esse curso tá me mostrando um horizonte novo. Eu sou operador, mas esse é um trabalho muito mecânico. A programação não, a gente pode criar. To adorando! - Nem me dava conta mas já estava contando a minha vida pessoal para um estranho que tinha conhecido há alguns minutos.

- Pô! Você tá animado mesmo, hein! Mas eu te compreendo, a informática é uma área fascinante... Você vai comprar o livro?

- Ah! Eu te agradeço a dica, mas só pela cara do livro deve custar uma nota e eu ando meio duro.

- Você vai pra onde agora?

- Eu tou andando meio sem destino.

- Você mora aonde?

- No Estácio. E você?

- No Estácio.

- Tá brincando! Que coincidência!

- Em que rua você mora?

- Na São Roberto.

- Pertinho da minha casa! Eu moro na Professor Quintino do Vale. Agora só preciso saber qual é o teu nome? - Desde o início, já havia percebido que ele não estava interessado apenas em informática, mas em mim também. No entanto, eu só estava interessado em seus conhecimentos. Ele não me atraía como homem. Mas não posso negar que era uma pessoa agradável.

- Jeremias. E o teu?

- Maurício. Já que a gente mora tão perto, que tal a gente ir até lá em casa para eu te mostrar os meus livros de informática? Pode ser que algum te interesse. - Aquilo me assustou. Por um momento pensei que ele pudesse ser um ladrão, maníaco ou qualquer coisa assim e estivesse querendo me atrair para uma armadilha.

- Sabe o que é? Eu marquei de sair com a minha mãe...

- Vai ser rápido. Você não vai se arrepender.

- Você mora sozinho?

- Não. Moro com meus pais, meu irmão e o cachorro. - Disse, brincando.

- Tá legal! Vamos lá. - Não sei dizer o porquê, mas ele me inspirou confiança.

Pegamos um ônibus. Durante a viagem conversamos pouco. Estávamos inibidos. Falamos sobre futilidades como: a melhor maneira de chegar ao trabalho, ou quais os melhores lugares de se comprar livros.

Seus olhos continuavam a revelar sua atração por mim. Por um momento me lembrei de Fernando. Deveria ser assim que ele se sentia quando eu o olhava.

Chegamos à sua casa. Na verdade era um casebre caindo os pedaços. Na janela de frente havia um enorme cachorro marrom e preto que latia desesperadamente. Ao entrarmos na casa percebi que ele não gostava muito daquele cão.

- Bob!!! Calado!!! - Pegou uma vara que estava atrás da porta e imediatamente o cachorro correu para o interior da casa. Quanto ele já não deveria ter apanhado para atender tão rapidamente?

- Acho que você não gosta muito de cachorro. Não é?

- Até que gosto. Eu não suporto mesmo é o Bob. Ele é muito barulhento. - Aquilo foi um ponto contra ele, pois eu adoro animais, principalmente cachorro. Sempre tive uma opinião meio polêmica de que pessoas que não gostam de animais, geralmente são frias e egoístas. - Vem cá que eu vou te apresentar meu pai! - Eu o conheci há duas horas e já estava conhecendo sua família... - Pai! Esse aqui é um amigo meu, Jeremias. - Apenas duas horas e eu já era um amigo...

- Prazer. - Sr. Miguel, pai de Maurício, respondeu friamente, sem olhar para mim.

- Igualmente... - Respondi totalmente sem graça.

- Vem cá no meu quarto, que eu vou te mostrar minha estante! - A sala estava uma bagunça. Os móveis eram velhos e as paredes da casa não tinham pintura. Minha esperança era que o seu quarto fosse mais arrumado. - Entra aí. - O quarto era pior. Tinha uma cama beliche, uma poltrona arrombada, alguma coisa que parecia um baú e uma pequena estante onde havia muitos livros sobre informática, talvez a única coisa arrumada naquele quarto, pois a cama de cima do beliche, estava cheia de papeis, revistas, roupas, pedras coloridas, incenso. Na cama de baixo as cobertas estavam todas espalhadas. O travesseiro estava no chão. Em cima da poltrona arrombada havia muitos pares de sapato, com o violão em cima.

- Você realmente tem um bocado de livro... - Disse, disfarçando minha decepção.

- Eu não tenho nenhum livro de VB, mas tenho esse aqui de introdução à informática. Ah! e tenho esse aqui de Delphi. Você não vai aprender Delphi lá no teu curso?

- É... Vou... Mas vem cá. Você vai me emprestar esses livros? Você nem me conhece direito. Não sabe se eu vou te devolver. - Agora eu queria ver como ele ia se sair dessa.

- Você acredita em intuição?

- Acredito.

- Desde quando eu te vi, alguma coisa me disse que você é boa gente - Fiquei totalmente encabulado. Ele tinha um olhar profundo. Parecia que lia meus pensamentos. Penetrava em minha alma. Aquele quarto horrível, aquele homem feio, aquele olhar penetrante. Tudo começou a me incomodar terrivelmente.

- Agora eu tenho que ir.

- Toma! Leva os livros.

- Mas você pode precisar pra...

- Jeremias! Eu tou dizendo que pode levar. Só quero que você me deixe o teu telefone, caso eu precise deles. - Na hora eu não percebi, mas aquilo era um pretexto para voltar a me ver.

- Tá legal. Me dá uma caneta aí. - Anotei o telefone em um pedaço de papel que não foi difícil de achar naquela bagunça e o entreguei.

- Vou te dá o meu, lá do trabalho.

Peguei o telefone dele, os livros, despedi-me de seu pai, que mal respondeu e dele, que continuava com aquele "olhar de tesão".

Fui andando até a meu apartamento, pois minha rua não ficava distante da dele. No meio do caminho fiquei pensando em como aquele sujeito era estranho. Ele mal me conheceu, já me levou para sua casa, apresentou seu pai, emprestou livros. Será que ele é assim com todo mundo que fala na rua? Ou será que ele faz isso só com quem ele quer ir pra cama? Enfim, aquilo pouco me interessava pois eu jamais iria para a cama com ele... Era o que achava naquele momento, mas o futuro me reservava surpresas em relação a Maurício.

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