Plínio serviu o almoço, que poderia ser considerado como jantar, visto que já eram dezessete horas. Comemos e bebi, rapidamente, as duas garrafas de cerveja. O ambiente era novo e excitante, mas não tinha afinidades com Jonas e seu amigo. Conversaram o tempo inteiro sobre aulas de matemática. Plínio também era formado em Matemática. Fiquei o tempo todo calado, observando a pintura das paredes da cozinha. Eram decoradas com desenhos de nuvens cinzas e anjos amarelos em um fundo azul e branco.
- Quem teve a idéia dessa pintura? - Perguntei.
- Fui eu queridinho. Gostou? - Plínio respondeu.
- É diferente.
- Essa pintura era da época em que isso aqui era uma boate gay. - Jonas esclareceu.
- Quem teve a idéia dessa pintura? - Perguntei.
- Fui eu queridinho. Gostou? - Plínio respondeu.
- É diferente.
- Essa pintura era da época em que isso aqui era uma boate gay. - Jonas esclareceu.
- Aqui foi uma boate?!
- Das mais badaladas.
- Por que acabou?
- Tava tendo problemas com a vizinhança. - Imaginei como deveria ser uma boate gay. Cheia de homens maravilhosos em busca de sua outra metade. Talvez fosse o lugar que eu precisava...
Nesse momento entra um rapaz magro, com um olhos grandes e cabelos negros, lisos e cheios. Deveria ter a minha idade. Achei-o interessante.
- Oi pessoal! A praia tava ótima. Dei um pulinho lá nas pedras do Flamengo! Tava uó! A pegação tava fervendo. - Por um momento não entendi nada do que ele falou. Durante os esclarecimentos que eram dados pelo rapaz pude entender que "uó!" significava bom, animado; que "pegação" era transa entre homens e que as pedras do Flamengo eram um ponto de encontro.
- Aírton esse é Jeremias, meu caso. - Jonas me apresentou e estranhei aquele termo, mas depois vim a saber que no meio gay, a pessoa com quem você está, não é seu namorado e sim, seu caso.
- Tudo bem, Jeremias? - Aírton apertou minha mão. Seu olhar tinha um brilho diferente. Ele transmitia energia, vida. Totalmente diferente de Jonas que mais parecia uma múmia.
- Plínio tinha me dito que você mora aqui. - Falei olhando em seus olhos.
- É verdade. Por enquanto, até eu conseguir um lugar só meu.
- Vamos até lá fora, Jeremias? - Jonas perguntou e eu percebi que as relações entre os dois não eram das melhores.
Fomos para o quintal, mas a minha mente ficou com Aírton. Acho que Jonas percebeu, pois logo deu uma desculpa para Plínio e fomos embora, antes que Aírton saísse do banho.
Durante o caminho de volta, quase não conversei com Jonas. Aleguei que estava com dor de cabeça. Não sei se acreditou, mas não insistiu.
Durante toda a semana, Jonas, a casa de Plínio, a história da boate gay e principalmente Aírton não saíram do meu pensamento. A idéia de suicídio desapareceu. Foi mais fácil enfrentar os dias de trabalho na Sonda. Havia encontrado um sentido e ele se chamava Aírton.
No sábado tomei algumas doses de cachaça com suco de laranja e telefonei para a casa de Jonas. Meu único desejo era reencontrar Aírton.
- Jonas? É Jeremias!
- Oi! Tudo bem! To com saudade.
- Eu também. A gente vai se encontrar hoje?
- Claro! Onde?
- Vamos voltar na casa do seu amigo?
- Que tal você dá uma passadinha aqui na minha casa?
- É... pode ser... - Não era bem isso que eu queria.
- Anota o endereço. - Anotei muito contrariado.
Fui até a casa de Jonas. Era pequena e escura. Os móveis eram sóbrios, muito parecidos com seu dono.
Assim que entrei Jonas me beijou. Foi entediante como o primeiro, na casa de Plínio. Mostrou-me toda a sua casa que era formada por cozinha, banheiro, quarto e sala.
Ao entrarmos no seu quarto, tirou sua camisa e mandou que eu ficasse à vontade. Sentei-me em sua cama e tirei a camisa. Não tinha muita vontade de transar com ele, mas sob os efeitos do álcool, ficou fácil deixar que acontecesse. Ele tomou a iniciativa e nós transamos... Fingi o quanto pude, mas não foi bom... Também não foi ruim... Foi...
- Acho que to me apaixonando por você. - Disse Jonas.
- Eu também gosto de você. - Era o máximo que conseguia falar.
- Você não tem o ranço das bichinhas que freqüentam a casa de Plínio.
- Não sei se é um elogio, mas, obrigado.
- O que você achou de Aírton? - Assustei-me com a pergunta inesperada.
- Como assim?... Não entendi o que você quer saber.
- Qual foi a sua impressão?
- Sei lá!... Parece ser um cara alto astral. - Não sabia o que dizer. Precisava disfarçar.
- Eu tive um relacionamento com um rapaz parecido contigo... Mas não deu certo... O Aírton entrou entre nós dois...
- Bem que eu percebi que existia uma antipatia entre vocês.
- Confesso que naquele dia eu fiquei com medo de que acontecesse a mesma coisa com você.
- Que bobagem! Eu nem conheço o cara direito.
- Não sei, não... -Talvez não tivesse percebido nada, mas parecia intuir algo...
- Por falar em casa de Plínio, a gente bem que podia voltar lá. Eu gostei tanto do seu amigo e da casa dele também. - Sentia-me mal com aquela situação. Sempre procurei ser sincero em minhas relações, mas uma força maior que meus princípios fazia com que mentisse e usasse Jonas para reencontrar Aírton.
- É mesmo? Que bom! Plínio é meu melhor amigo e eu gostaria muito que vocês também fossem amigos. - A declaração mentirosa que eu havia simpatizado com Plínio, desviou a atenção de Jonas com relação a Aírton.
- Vamos lá?
- Vamos! Claro!
Fomos para a casa de Plínio, mas antes praticamente obriguei Jonas a passar em um bar para que eu pudesse beber. Ele não gostou muito, pois não bebia uma gota de álcool.
Ao chegarmos, procurei ser o mais gentil possível com o dono da casa, que me apresentou seu caso.
- Deca, esse é Jeremias o novo caso de Jonas. - Sentia-me como se eu fosse o brinquedo novo de Jonas.
- Prazer, Jeremias. - Deca era um rapaz tímido e mantinha um ar triste. Tive muito pouco contato com ele, naquele dia. Ficou o tempo todo lendo.
Percebi que Aírton estava em seu quarto, pois a luz estava acesa. Esperei que a conversa entre Jonas e Plínio tomasse o rumo da matemática. Esqueciam de mim quando falavam em aulas, métodos e livros. Imediatamente dei um jeito de passar pela porta do quarto de Aírton, que estava semi-aberta.
- Oi! Em casa em pleno sábado? - Perguntei ao empurrar a porta e avistá-lo sentado em sua cama costurando uma calça.
- Oi, Jeremias, entra aí!
- Não vou atrapalhar?
- De jeito nenhum! Assim você me faz companhia... Fala a verdade, você deve tá enjoado do papo de matemática, não é?
- Confesso que é um saco.
- Aqueles dois quando se juntam só falam nisso. Foram feitos um pro outro. Não sei por que não são caso.
- Parece que você não simpatiza com eles.
- Não tenho afinidades. Só isso.
- Do que você gosta? - Ele parou de costurar e me olhou como se enxergasse minha alma.
- Gosto de música, de dançar, de namorar, de ler, de ir à praia, de cinema... que mais... De viver! De preferência, bem acompanhado. - Ele gostava das mesmas coisas que eu e tinha algo que eu não possuía, paixão pela vida. Emanava uma energia que me revigorava. Pela primeira vez, sentia-me apaixonado.
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