domingo, 25 de novembro de 2007

9º Capítulo - Parte II

Segunda-feira. Quando estou chegando no prédio em que trabalho, vejo Fernando e Esperidiana juntos, de mãos dadas. Ele acena para mim e ela olha, indiferente à minha presença. Por um momento aquela paixão voltou a me dominar. Tive ciúmes, talvez inveja fosse a palavra mas adequada, ao ver aquela dona tendo a atenção e o amor que eu desejava. Na minha cabeça era difícil aceitar que Fernando me trocasse por uma velha, aparentemente sem nenhum atrativo. Eu sou inteligente, não sou feio, temos afinidades... Mas sempre esqueço o principal... Não sou mulher...

Eu andava dividido entre duas fantasias. Uma se chamava Fernando, que já estava em processo de "congelamento". Outra se chamava Eduardo, cujas aulas não faltava por nenhum motivo. Aquele professor era demais, cada dia que passava eu gostava mais das suas aulas, de informática e, mesmo sem me corresponder, dele, também. Às vezes eu achava que o meu forte era o masoquismo, pois quanto mais os homens me rejeitavam mais eu me apaixonava por eles. A paixão por Fernando eu até podia compreender, pois eu o conhecia, mas Eduardo... Era só o que ele me passava nas aulas. Será que com vinte e cinco anos eu estava tendo rompantes de adolescente, que se apaixonam por um cantor, um ator e vivem aquela paixão como se fosse verdadeira... Sentia-me ridículo... Mesmo assim resolvi tentar mais uma vez...

- Eduardo!

- Oi.

- Será que você pode me tirar uma dúvida?

- Tudo bem.

- Esse comando eu coloco onde?Perguntei sobre a matéria e ele me respondeu de forma atenciosa. Continuei tentando fazer com que ele me notasse - Interessante... É você que vai dá o módulo de Delphi?

- Não cada módulo, ou seja, cada linguagem é dada por um professor diferente.

- Você acha que Delphi é mais complicado que VB?

- As duas linguagens tem mais similaridades, na verdade, mas Delphi é mais estruturado. Você me desculpa, mas é que eu tenho que ir. To atrasado pra próxima aula. - Mais uma vez ele me descartou. Estávamos no meio do intervalo e nenhuma aula começaria nos próximos dez minutos. Passei na porta da secretaria e lá estava ele, rodeado de meninas... Eu era um verdadeiro babaca!

Era sexta-feira. Saí do curso deprimido... Uma hora era Fernando, outra, era Eduardo. Achava a vida uma merda! Cheguei ao trabalho e encontrei Fernando na porta do elevador, agora sozinho.

- E aí Jeremias, tudo bem?

- Tudo bem? - Ele apertou minha mão. Um minuto de silêncio que pareceram horas. O elevador chegou. Subimos só nos dois.

- Tem escrito muito? - Perguntou Fernando

- Não. Ando sem inspiração.

- Não desanima, uma hora ela volta. - A porta do elevador abriu. - A gente se esbarra por aí.

- Tchau. - Era estranho como ele estava frio. Bastou eu parar de procurá-lo e ele me tratava como o jornaleiro da esquina. Sem nenhum envolvimento. Sem nenhuma profundidade. Aquilo acabou de me arrasar. Eu me sentia invisível aos olhos de quem me interessava. Ainda bem que na minha sala não precisava falar muito. Era só trabalhar no computador infinitamente...

Mais um sábado vazio e solitário. Sentia-me péssimo. Naquele momento quem clamou por reaparecer foi o meu lado Jade. Nada conseguia fazer sentido, o curso de programação, meu emprego, minha vida. O que importava era sair de mim mesmo, era fugir...

Bebi duas garrafas de vinho e pronto... Agora já não existia vazio, solidão, Fernandos ou Eduardos. Somente Jade, depois de muito tempo... Fui para o Boêmio. A boate estava cheia. Naquela noite tinha de tudo, travestis, transformistas, ativos, passivos. Foi só deixar que a música frenética me invadisse e fizesse com que eu dançasse da forma mais sensual possível, da maneira que só Jade sabia fazer. Não demorou muito um lindo rapaz sorriu para mim.

- Oi! Tudo bem? - Perguntei ao me aproximar dele.

- Tudo! Tá sozinho?

- To. E você?

- To com uns amigos. - De perto ele era ainda mais bonito. Tinha os cabelos lisos e claros. Tinha a minha altura. Um rosto de traços perfeitos e uma barba deliciosa...

- Qual o teu nome?

- Sérgio. E o teu?

- Jade. Vamos tomar uma cerveja?

- Vamos. - Atravessamos a multidão de homens que dançavam alucinadamente, até chegar ao bar.

Dançamos e bebemos muita cerveja. Chegou a hora das músicas mais românticas. Nos abraçamos e deixamos a música levar nossos corpos. Uma excitação maior foi surgindo. Ele roçava a barba no meu pescoço e eu o abraçava cada vez mais forte. Por um momento, não sei dizer porque, lembrei-me de Fernando. Tomei a iniciativa e o beijei. Foi o beijo mais delicioso da minha vida. Eu me apaixonei pelo beijo de Sérgio. Ficamos assim até a hora do show da Laura. Depois de tantos acontecimentos desagradáveis voltava a me sentir vivo, desejado.

O show da Laura foi maravilhoso, como sempre. Um dos transformistas chamado Manoela, fez uma música de Maria Bethânia que gostava muito, chamada “Olhos nos Olhos”.

Ao término do show, eu e Sérgio estávamos bêbados e "alcoolicamente" apaixonados. Isso significava que precisávamos libertar aquele desejo louco que nos dominava. Fomos para a parte de cima da boate, local criado para o pessoal que queria namorar. Fomos para um canto bem escuro e trocamos carícias mais ousadas e quando eu pude perceber estávamos com as calças abaixadas. Jeremias era muito tímido e jamais faria isso. Mas Jade adorava chocar e Sérgio parecia acompanhá-lo bem. Todos a nossa volta estavam escandalizados, ninguém faria aquilo ali. Abaixei e fiz sexo oral...

O dia estava amanhecendo e sentia que Jeremias precisava voltar. Olhei para Sérgio e percebi que apesar de lindo, delicioso e corajoso, aquele rapaz seria como todos os outros que encontrei pelas noites, jamais faria parte da minha vida.

- Gostou da noite, amorzinho? - Perguntou

- Claro! Mas adorei mesmo foi essa boquinha deliciosa. - Nos beijamos à luz do dia, em um ponto de ônibus no Passeio. Uma senhora reclamou, mas Jade não se importava com nada nem com ninguém.

- Você tem telefone?

- Tenho. Só não tenho papel e caneta.

- Isso eu tenho. Você acha que eu vou andar despreparado.

Dei meu telefone para ele sabendo que dificilmente ligaria. Aquilo fazia parte do "ritual"... Peguei o ônibus, sentei-me na janela e fiquei pensando no beijo de Sérgio. Era muito gostoso, quente, molhado... Mais uma vez lembrei-me de Fernando. Alguma coisa em Sérgio lembrava Fernando, talvez a boca, sei lá... Pensei em como seria o beijo de Fernando... E o de Eduardo? Jeremias estava de volta.

Domingo, sem sombra de dúvidas, era o dia mais chato da semana. Era o dia em que todos os meus fantasmas reapareciam. Era o dia que tinha que ficar de frente com todas as minhas fraquezas. Sentia-me terrivelmente só, apesar de todas emoções da noite anterior. Era como se Jade tivesse vivido tudo aquilo e eu, Jeremias, tivesse sido um mero espectador...

O telefone toca. Pensei em não atender, mas poderia ser Luciana ou Adriana. Seria bom ter com quem conversar.

- Alô.

- Alô? Jeremias?

- É.

- Quem tá falando é Maurício. Lembra de mim? - Quando ele falou quem era, eu não me lembrei de imediato.

- Maurício? De onde?

- Da Feira do Livro. Esqueceu?

- Oi, Maurício! Tudo bem?

- Tudo. Eu to te ligando porque eu to precisando daqueles livros que te emprestei na semana passada.

- Ah! Tá legal! Eu posso te devolver essa semana?

- Sabe o que é? Eu tou precisando dele pra amanhã. Será que não dá pra você dá uma passadinha aqui em casa, hoje? - Eu estava com uma enorme ressaca. A última coisa que queria naquele dia era sair de casa.

- Sabe o que é? Eu to meio cansado. Cheguei tarde ontem.

- Quer que eu passe aí na sua casa? - Eu não queria que aquele sujeito soubesse onde eu morava.

- Não. Vamos fazer o seguinte, por volta de uma cinco horas eu passo aí. Tá legal?

- Tá legal!

Eu me odiei por ter ficado com aqueles livros. Ter que voltar àquela casa horrorosa e ter que aturar aquele chato, não estava nos meus planos. Mas mesmo contrariado fui até a casa de Maurício para levar os tais livros.

Ao chegar na porta da casa, lá estava o Bob latindo desesperadamente. Toquei a campainha e ninguém apareceu. Imaginei que naquela casa velha, nem a campainha deveria funcionar. Bati palmas e Maurício surgiu na janela. Realmente a campainha não funcionava.

- Oi, Jeremias! - Disse, ao abrir o portão.

- Oi, tudo bem?

- Bob! Calado! - Gritou para o cachorro ao entrarmos na casa.

- Deixa ele.

- Não! Esse cachorro é muito chato. - Chato era ele, que me fazia sair do meu apartamento de ressaca.

- Vem cá Jeremias! Vou te apresentar minha mãe. - O pai era super antipático. O que será que me esperava com a mãe?

- Mãe, esse é Jeremias, um amigo meu. - Amigo?

- Como vai? Muito prazer! - Ao olhar para ela simpatizei imediatamente. Era uma senhora magra, muito bem arrumada, em contraste com a casa. Seu olhar transmitia bondade e humildade, seu tom de voz era doce.

- Igualmente! - Apertei sua mão.

- Vamos lá no quarto que eu vou te mostrar os livros que comprei. - Eu achava aquele cara uma "mala". Pensei que ia chegar, entregar os livros e pronto, agora ele ia me mostrar o quarto novamente.

Entramos no quarto.

- Eu não posso demorar. - Sem se importar com a minha observação. Ele sentou na poltrona rasgada. Puxou uma cadeira e pediu que eu sentasse. O quarto continuava uma bagunça, mas a poltrona rasgada e a cadeira estavam vazias. Parecia que tudo tinha sido planejado, minunciosamente.

- Você saiu ontem? - Perguntou

- É. Fui dá uma volta. Tava me sentindo deprimido. - Ele tinha um poder de fazer com que contasse o que eu não devia.

- Engraçado. Eu também tenho me sentido assim.

- É. Por quê?

- Eu tava noivo. E no mês passado minha namorada desmanchou o noivado, porque tava gostando de outro cara. - Estranhei aquele desabafo repentino. Aquela revelação me confundiu. Ele me olhava com desejo, mas tinha uma noiva. Não sabia se ele era bissexual ou se eu, mais uma vez, estava vendo coisas onde não existiam.

- Que chato... Vocês estavam juntos há muito tempo?

- Há quatro anos. Sabe Jeremias, o que mais me machuca é que nós tínhamos um relacionamento franco. Eu fui o primeiro homem da vida dela. Ela perdeu a virgindade comigo. Foi tudo muito bonito. - Eu comecei a vê-lo de outra maneira. Ele era sensível e tinha uma enorme facilidade de se expor. Eu gostava dessas facetas que começava a conhecer...