domingo, 4 de novembro de 2007

7º Capítulo - Parte II

- Alô. – Atendi com o tom de voz claramente aborrecido. Não sabia que era Fernando. Sempre odiei atender telefone...

- Jeremias?

- Sim.

- Fernando. Tudo Bem?

- Oi, Fernando, que surpresa! - Valeu à pena voltar. Algumas vezes era muito bom ter telefone!

- Vou ser rápido. Li os escritos. Você tá indo pra faculdade?

- Já tava saindo.

- Passa na minha sala.

- Ok! Aquilo foi como uma luz no meu estado de espírito!

Chego à porta da sala de Fernando e procuro-o entre os outros alunos. Ele faz um sinal.

- Oi, Fernando.

- Tudo bem? Aqui está o seu bloco. Li os textos e achei o máximo. Você tem muita sensibilidade. São profundos. Enfim, um barato. - Por um instante tive vontade de pedir os seus contos para ler, mas por algum motivo, fiquei inibido. Uma agradável sensação de ser compreendido invadiu todo meu ser. Quem era aquele maravilhoso estranho, já tão íntimo, que penetrava em minha vida sorrateiramente? Não tive resposta para esta, nem para as outras dezenas de perguntas que assolaram minha mente.

- Tive muito medo de que não me entendesse, mas vejo que não me enganei com você.

- Que isso, Jeremias! Não vou negar que de início fiquei um tanto surpreso com o fato do homossexualismo, mas depois acabei me envolvendo com os textos.

Fui para minha sala completamente em êxtase. Nada poderia aborrecer-me naquele dia. Sentei no lugar de sempre totalmente desligado. Não percebia nem mesmo a presença de Adriana, que gargalhava entre os rapazes. Sentia-me forte, belo e amado. Deixava-me levar pela idéia de ter encontrado o ser sonhado; um homem diferente dos michês, dos nojentos da Cinelândia, dos caras da minha sala, da minha rua, da minha vida... Tudo respirava beleza.

A aula começou e Adriana senta ao meu lado:

- Que cara é essa?! - Perguntou, pressentindo o que ocorria.

- Falei com Fernando...

- E aí?

- Me devolveu o bloco e disse que adorou os textos. - Sem demonstrar euforia.

- Parece que vocês tão se entendendo, hein! - Era sempre maliciosa.

- Ele realmente é um cara maneiro. Você tinha razão.

- Que tal se eu o chamasse pra sair junto com a gente nesse final de semana? - Tudo era motivo para Adriana fazer uma reunião, uma festa ou qualquer coisa assim.

- Será que ele aceita?

- Quando acabar a aula vou dá uma passadinha lá na sala dele. - Aquilo era tudo o que mais queria. Perdi-me em devaneios loucos e fantasiei aquele encontro o quanto a minha imaginação pôde criar. Finalmente o beijo tão sonhado... Aquela boca...

Vinte horas de sábado. Escolhi dezenas de vezes a roupa para o grande encontro. Arrumei muito bem o cabelo. A barba feita. A escolha do perfume foi muito difícil. Qual deles agradaria mais a Fernando? Olhei-me no espelho e me senti "linda". Era uma espécie de alucinação perene que me acompanhava. Não conseguia me perceber como homem...

Adriana chega a minha casa:

- Nossa! Tá arrasando.

- Obrigado. - Dito como quem pega a primeira roupa do armário.

- Tudo isso é pro Fernando?

- Dá um tempo, Adriana! Você sabe que eu gosto de me arrumar bem.

- Sei... – Detestava constatar, mas ela sabia que era para ele.

Vinte uma horas e quarenta minutos e estávamos novamente no Nobody's, só que hoje ao invés de tédio, eu era pura ansiedade. Fernando chega:

- Oi, pessoal! - Disse dando dois beijinhos em Adriana, batendo levemente em minhas costas e olhando ao redor.

Fernando não notou minha roupa, nem meu cabelo, nem meu perfume, nem a pessoa encantadora que o esperava. Ao contrário, foi atenção total para Adriana. Acho que ficaram juntos naquela noite... O importante é que, se ficaram, não foi nada de sério. Senti raiva de Adriana. Como podia ser tão vulgar?

O domingo foi um dos piores de que me lembro. Na segunda-feira, uma esperança: - Ele não me notou, mas posso conquistá-lo... Claro!

Passei a visitá-lo em sua sala de aula quase todos os dias e a cada dia a confirmação crescia. Ele era a pessoa certa. Nossas conversas eram maravilhosas, a identificação era total com suas idéias. Sensível, inteligente, bonito, um pouco convencido, mas gostava disso também.

Um mês se passou e não consegui nenhum progresso em minha conquista. A única coisa que havia mudado é que quando conheci Fernando estava sozinho, agora tinha uma namorada, Marta.

Precisava contar tudo...

- Oi, Fernando. Tudo bem? - Perguntei ao procurá-lo em sua sala.

- Tudo, Jeremias. - Respondeu percebendo minha ansiedade.

- Preciso conversar um assunto meio sério contigo.

- Agora?

- Não. Depois da aula. Vou te esperar no pátio às cinco e meia.

Adriana percebeu minha agonia durante toda a aula, mas por algum motivo, que desconhecia, talvez por aquela noite em que, suponho, ficaram juntos, não conseguia confessar tudo que me afligia em relação a Fernando. Disse que era mais uma crise de depressão.

- Você tá esquisito, Jeremias. - Disse Fernando ao me encontrar no pátio.

- Vamos sentar naquele banco? - Apontei para um dos bancos no jardim.

- Tá legal.

- Fernando, não sei como começar... O caso é que... Bem... Tenta me compreender...

- Já sei Jeremias, você tá afim de mim. É isso? - Concordei com um gesto de cabeça, envergonhado. Meu rosto parecia queimar e meu coração estava disparado. - Já tinha notado isso faz um tempo.

- E aí? - Ainda com a insana, porém breve fantasia de que iria corresponder àquele sentimento.

- Respeito, Jeremias, mas não posso dizer que sinto a mesma coisa. - Não era mais uma suposição. Era real. Nada mais podia fazer. Ele nada sentia por mim. Talvez repugnância, mas isso não me falaria. Preferi, assim mesmo, não ouvir mais nada.

- Tudo bem, Fernando

- É que...

- Preciso resolver um problema no centro da cidade e já to atrasado. Depois a gente continua essa conversa. - Precisava fugir dali, refazer-me. E assim o fiz sem dar chance de Fernando dizer mais nada.

Nessas horas Jade gritava dentro de mim... Pensamentos autodestrutivos começavam a me dominar... Álcool, promiscuidade, Cinelândia... Mas não foi dessa vez que Jade reapareceu. Decidi que não deveria fazer nada de que pudesse me arrepender mais tarde. Tomei três comprimidos para dormir...

No dia seguinte, acordei atordoado, ainda sob o efeito do remédio. Eram dez horas da manhã. Pensei durante uma hora e meia, mais ou menos e decidi ligar para Fernando:

- Fernando?

- Oi, Jeremias.

- Pensei muito sobre a nossa conversa de ontem.

- E aí? - Indagou calmamente. A única característica que realmente me irritava em Fernando era a impessoalidade que mantinha na situação. Era como se fosse um mero espectador.

-Acho que a gente não deve se encontrar mais, pelo menos por uns tempos. - Tinha certeza de que concordaria.

- Qualé Jeremias? Você vai fugir de mim, mas a situação vai continuar dentro da tua cabeça.

- E o que você me sugere?

- Que ao invés de a gente se afastar, converse sobre o assunto. - Aquilo reacendeu a esperança. Ele gostava de mim... Não queria se afastar... Nem tudo estava perdido...

- Vou pensar... - Dando tempo para organizar as idéias.

- Vai à aula?

- Não, to enjoado. Acho que é a antiga gastrite.

Duas semanas decorreram, sem que procurasse Fernando. Ele, também, não me procurou. Nunca procurava... Estava pronto, deveria retornar ao ponto onde tinha parado.

O medo de perder Fernando, sua companhia, nublou minha razão e, por um breve período, convenci-me de que tinha transformado meu amor em amizade. Não podia ficar longe de Fernando... Resolvi procurá-lo...

- Pô! Precisou de um bom tempo para pensar. - Observou Fernando, quase ironicamente.

- Consegui organizar minhas idéias e entender que o que sentia não tinha chances de dar certo. Mas restou uma grande admiração. Te acho um cara legal. Quero ser teu amigo.

- Jeremias, não me leva a mal, mas não acho que o que sentia pudesse ser amor. Amor é algo que vem com a convivência, cultivado por ambas as partes. Acho que em um momento de carência você tenha se apegado a mim, mas sempre foi amizade. - Isso era pior do que tudo que tinha acontecido. Não corresponder ao meu amor, tudo bem, mas como podia duvidar? Era sincero. Deve ser o maldito machismo que não admite que um homem possa se apaixonar por outro. É ridículo! Odeio isso!

- Também acho. - Concordei, contrariado.

- Fico feliz por saber que resolveu essa questão.

- Eu também. - Não restava mais nada a dizer.

Fernando era sempre gentil, solícito e educado. Nunca me tratou rispidamente. Respeitava-me. Mas eu não conseguia fazer com que sentisse grande coisa por mim. Nunca falou, nem precisava; estava em seus olhos, em sua expressão... O tempo passou e percebia que não era um grande amigo para Fernando. Quem sabe um de seus colegas? Não, isso era muito pouco! Preferia pensar que era um de seus amigos de faculdade. Ele, uma pessoa importante em minha vida. Eu, um de seus companheiros. Se sua indiferença fosse ferina, proposital... O pior é que era espontânea. Uma grande sensação de impotência abateu-se sobre mim. Havia perdido o amor próprio. Essa paixão unilateral obliterava minha razão. Do jeito que as coisas iam ele acabaria, finalmente, sentindo algo: pena de mim... Não, pena, não!

Resolvi arriscar e escrever algo que nunca tinha tentado, um conto baseado no que aconteceu entre mim e Fernando... Assim o fiz sem saber que, mais tarde, inspiraria um livro...

Mas... Esse não era o final da minha história com Fernando...

Um comentário:

Anônimo disse...

Parabéns, ótimo conto!...