domingo, 28 de outubro de 2007

7º Capítulo - Parte I

NOTA DO AUTOR: Esse capítulo (parte I e II) foi originalmente o conto Unilateral. Resolvi aproveitá-lo na íntegra dentro do livro, modificando apenas o início e o final para que pudesse dar seqüência dentro da história.

Quando o criei não tinha a menor idéia de como se escrever um conto. Depois de ler um livro de contos do Gore Vidal, pude me inspirar um pouco no seu estilo, para mais tarde descobrir o meu próprio jeito de escrever.

Outros contos vieram após esse, mas o Unilateral ficou sendo meu preferido, por ser o primeiro e por retratar um acontecimento real, Já que os posteriores eram totalmente imaginados.

Mostrei os contos para alguns amigos e depois os guardei. Anos mais tarde os achei dentro de uma gaveta e mostrei para novos amigos. Uma dessas amigas, sabendo como tinha sido minha vida, deu a idéia de que eu escrevesse um livro contando o que passei. Achei a idéia boa, um desafio. E a partir de meu primeiro conto, resolvi colocar em prática.

Muitos podem se perguntar porque dei o nome de Unilateral ao livro? A resposta está nas entrelinhas desse capítulo. Minha vida foi marcada por muitas paixões platônicas, em que eu sofria demais por gostar de homens que nem se importavam muito com o que sentia. Foram paixões que sobreviam apenas dentro de mim e acabavam por morrer sem serem correspondidas.

Espero que continuem aproveitando o livro e fica aqui meu agradecimento a todos que tem acompanhado e também aos que gentilmente deixam um comentário. Os comentários são uma amostra de como as pessoas percebem a história.

Abraços


Mais uma vez tinha perdido meu emprego devido a meu alcoolismo, depressão e total falta de vontade de continuar... Não fosse pela ajuda da minha mãe, sempre tão amiga acho que teria ido morar nas ruas... Sentia-me vazio. Tudo estava sem sentido...

Havia um espelho em minha cabeceira. Olhei a minha imagem refletida e achei que estava envelhecendo, apesar de só ter vinte cinco anos.

O telefone tocou. Graças a minha mãe eu tinha um. Era Adriana:

- Alô. - Atendi, tão baixo, que ela mal conseguiu me ouvir.

- Jeremias? É você?

- Oi, Adriana. Tudo bem? - Respondi, automaticamente, quase sem perceber o que falava.

- Minha nossa! Que voz é essa, Jeremias?

- É a única que tenho. - Respondi, ironicamente.

- Já entendi tudo... Vamos aproveitar o sábado e sair pra dá um giro e deixar a tristeza na rua.

- Ah! Não tenho o menor saco de levantar daqui da cama. Deixa pra outro dia.

- De jeito nenhum, vamos sair, sim senhor! Passo daqui a meia hora pra te apanhar. - Desligando logo em seguida, sem me dar chance de argumentar.

Conheci Adriana no Curso de Administração. Finalmente depois de inúmeras tentativas, consegui passar para uma universidade pública e poder, assim, realizar o desejo de meu pai. Era a forma que encontrei de pedir-lhe desculpas.

Adriana estudava em minha sala. Rapidamente nos tornamos amigos. Ela é uma pessoa extremamente alegre, que jamais se abate com os reveses da vida. Dotada de uma inteligência brilhante e uma profunda sensibilidade, sem falar do imenso senso de lealdade, que faz com que seja uma amiga de todas as horas.

Muito contrariado peguei a primeira roupa que vi no armário, pois ninguém me olharia. Nunca olham... Pelo menos quem eu gostaria.

Duas horas depois chegou Adriana, que mais parecia um pavão de tão coloridas que eram suas roupas. O perfume era de bom gosto, mas empesteava o ambiente devido ao exagero.

- Puxa Jeremias! Bem que você poderia ter escolhido uma roupinha melhor. - observou, sarcasticamente.

- Tá a minha cara, hoje... - retruquei sem me incomodar com sua observação.

Depois de muito rodarmos pela rua, acabamos no Nobody's - barzinho aconchegante, perto de minha casa. - Adriana preferiu uma mesa próxima à calçada, pois assim facilitaria o flerte, já que contaria com os "gatinhos" do bar e os que passavam pela rua.

Adriana era extremamente volúvel, jamais conseguiu ficar com um namorado tempo suficiente para se apaixonar, talvez por isso estivesse, quase sempre, sozinha, apesar de seus vários encantos.

- Vai beber o que? Chope? - Perguntou-me, quase que impondo sua vontade, como era de costume.

- Não. Hoje é melhor eu ficar no suco de laranja... - Pretendia manter a minha promessa, principalmente nas horas de depressão

Adriana pediu um chope e um guaraná para mim, jogando constantemente seus cabelos com as mãos, gesto típico de quando esperava conhecer "gatinhos".

Depois de meia hora já não agüentava mais aquele lugar, minha vontade era deixar Adriana falando sozinha e pegar o primeiro ônibus, sem destino.

De repente o rosto de Adriana iluminou-se ao ver alguém:

- Fernando! - Gritou Adriana para um rapaz que passava sozinho, pela calçada.

- Oi, Adriana! Tudo bem? - Disse ele, timidamente, dando dois beijinhos em seu rosto.

- Que surpresa boa! Senta aqui com a gente. Você vai fazer alguma coisa agora?

- Não. Tou vindo da casa da minha tia, que mora aqui perto.

Estava tão absorto. Mal reparei em Fernando, que, após ter sido apresentado, sentou-se em nossa mesa e conversava com Adriana, como se não percebesse a minha presença. Na verdade a impressão que tive foi de uma pessoa pedante. Não pude deixar de perceber que era um homem bonito. Mas parecia um entediante "mauricinho". Quem sabe um michê disfarçado?

Depois de algum tempo Adriana nos avisou que iria ao toalete e logo pensei: - Que saco. Estou sem paciência. Vou conversar o que com esse sujeito?

Adriana levou pelo menos uns quarenta minutos sumida. Depois, vim a saber que tinha encontrado uma amiga, e se perdeu em histórias sobre os "gatinhos".

- Você é assim mesmo ou hoje você tá pra baixo? - Fernando me perguntou.

- É, estou meio down. - Disse estranhando aquela súbita invasão em meus pensamentos.

- Nessas horas é bom escrever. Além de um desabafo, relendo o que foi escrito, fica mais fácil analisar a situação, como se fosse uma pessoa de fora.

- É... Eu sei. Tenho, até, um monte de escritos, que coloquei num bloco. Uma espécie de diário, bloco de poesias, sei lá que nome dá...

- Que legal! Também escrevo, só que contos. Queria ler os seus escritos.

- É?

- Que tal você levar pra mim na segunda-feira? - Ele também fazia Administração e estudava na mesma Universidade que eu e Adriana, só que em sala diferente, mas no mesmo turno.

Agora já havia notado cada detalhe de seu rosto; o corpo não foi possível, pois se manteve sentado o tempo todo. Não era barrigudo, só isso valia o resto. Apesar dos traços não serem perfeitos, pude perceber o quanto era bonito, era uma beleza incomum, envolvida em muita sensualidade e juventude. O tom da voz era polido e suave. Ah... E a boca...

Apesar de impressionado, voltei para casa, ainda deprimido, na companhia de Adriana e Fernando.

Eram treze horas de segunda-feira. Mais uma semana começava e estava entediado, pois as aulas daquele curso de Administração eram quase insuportáveis, já que minha verdadeira vocação era pelo curso de Psicologia.

Adriana movia-se freneticamente pela sala, não sabendo a qual dos rapazes dar maior atenção. Ainda consumido por aquele terrível sentimento de vazio, desenhava alguma coisa sem forma, sentado em minha cadeira. Esperava o professor, que não chegava, quando Adriana sentou-se ao meu lado e começou sua investigação:

- Encontrei Fernando na entrada. O que você achou dele? No sábado, vocês chegaram a bater um papo. Não foi?

- Você quer saber o que, Adriana? Foi muito pouco tempo para formar uma opinião. Parece ser um cara legal e é uma gracinha. Acho que não joga no meu time... Entende?... - Fiz a última observação com um desejo inconsciente de que me contrariasse.

- Tem razão sobre isso. Mas sobre o que vocês conversaram?

- Sobre escritos. Falou que gosta de escrever contos. Falei que tinha um bloco cheio de escritos. Ficou curioso. Pediu inclusive para eu trazer o bloco, hoje.

- E você trouxe?

- Não. São muito pessoais...

- Pelo que conheço de Fernando, ele parece ser uma pessoa de mente muito aberta. Estudava teatro; geralmente essas pessoas têm outra visão de mundo. - Disse Adriana, agora seriamente.

- É... Quem sabe?... - Fiquei em dúvida e atento. Pessoas de mente aberta poderiam me interessar.

Era quinta-feira e já me sentia mais animado, apesar de minha companheira constante, a sensação de vazio. Entro no metrô, já a caminho da faculdade, quando vejo Fernando no mesmo vagão:

- Oi, Fernando.

- Oi, Jeremias. Tudo bem?

Conversávamos sobre superficialidades como as aulas preferidas da faculdade, quando perguntou-me:

- Você tá me devendo alguma coisa. Não é?

- Ah! Esqueci! Mas vou procurar lá em casa. Não sei onde enfiei aquele bloco. - Tive certeza que ele percebeu a desculpa, bastante esfarrapada.

Chego à sala de aula. Adriana já estava presente, movimentando-se entre os rapazes, como era habitual. Sempre a observava com um pouco de inveja; em uma sala quase que totalmente formada por homens, as poucas meninas sempre são o centro das atenções. No entanto, o que menos queria era chamar a atenção... Se um deles tivesse certeza de minha tendência... Seriam cruéis, como no passado... Por que quando homens héteros estão juntos, comprazem-se em esculachar homossexuais? Deve ser problema de heterossexualidade frágil!

Esperei a aula começar desenhando ou escrevendo qualquer coisa.

Adriana percebe minha presença e vem ao meu encontro. Imediatamente entrei no assunto:

- Encontrei Fernando no metrô.

- Ah, é... - Disse Adriana, esperando o resto.

- Cobrou os textos que fiquei de trazer.

- E você decidiu?

- Decidi que vou mostrar. Que tal?

- Já falei que sim, ele é um cara bacana, você não vai se arrepender. - Nunca entendi como Adriana podia ter tanta certeza, afinal, eles mal se conheciam.

Naquele dia procurei indagar de Adriana tudo o que sabia sobre Fernando. Não era muito.

Ao chegar em casa a primeira coisa que fiz foi separar o bloco, colocando-o em minha pasta. No dia seguinte entreguei-o a Fernando:

- Promessa é dívida. Aqui está o bloco.

- Finalmente. - Disse em tom de brincadeira - Pode deixar que eu vou ler assim que chegar em casa.

- Vê se não vai se chocar, Hein!

- Nada me choca. - Falou como se soubesse o que ali estava escrito.

Nesse momento parecia mais belo que nos outros dias. Uma atração imensa me dominou... Aquela boca... Uma maneira houvesse de perceber meus desejos, talvez sentisse asco... Despedi-me atordoado e receoso de que tivesse transparecido meus pensamentos... Quantas vezes essa cena se repetiria...

Volto à sala de aula, com minha mente diluída em pensamentos indefiníveis. Adriana gargalhava no final da classe, com as piadas de Marcelo e Francisco.

Uma semana passou-se sem que soubesse de Fernando. Os sentimentos daquele dias dissiparam-se dando lugar, novamente, ao vazio.

Um dia, saindo para a faculdade, o telefone toca. Detestei morar sozinho, só pelo fato de ter que voltar da porta para atendê-lo. Era Fernando... Meu coração disparou...

Um comentário:

Furlan disse...

Eu gosto de andar em S. Paulo, hoje em dia, porque casais gays - em vários lugares da cidade - podem andar de mãos dadas, podem beijar-se, podem mostrar, em público, que se gostam. No meu tempo de infância também não havia liberdade, não havia direito à intimidade e não havia algo bem mais simples, embora super necessário: direito à privacidade...