domingo, 7 de outubro de 2007

5º Capítulo - Parte IV

A boate estava cheia e era muito difícil conversar com a música alta. Mas nossos olhares diziam tudo... Dançamos, bebemos e namoramos até o fim da noite.

Ao sairmos, no silêncio da madrugada, pudemos confessar nossos sentimentos.

- Assim que eu te vi na casa de Plínio, alguma coisa se modificou dentro de mim. Eu tinha começado com Jonas naquele dia... assim, meio sem opção... mas eu nunca me senti atraído por ele... - Abri meu coração

- Parece que eu e Jonas temos o mesmo gosto... Assim que eu te vi, também, me interessei, mas disfarcei o máximo possível, por causa do que tinha acontecido com Dinho... Acho até que Jonas pensa que eu faço isso de propósito.

- É eu também acho... Mas o importante é que a gente tá junto... e o mundo pode se acabar! - Rimos e nos abraçamos.

Naquela noite, embora o desejo fosse grande, não transamos. Combinamos que só aconteceria quando sentíssemos que era a hora certa.

As semanas que se seguiram a esse sábado, foram maravilhosas. Renovei-me até no trabalho, mudei todo o arquivo, cuja responsabilidade era minha e procurei auxiliar os outros setores do Departamento. Sentia-me cheio de energia e queria ampliar meus horizontes. Queria crescer, produzir, viver...

Aírton me ligava todos os dias. Dia sim, dia não, chegavam cartas cheias de juras de amor e eu respondia a todas.

Chegou outro sábado, era dia de nos encontrarmos. Acordei animado, ajudei minha mãe nos afazeres domésticos. Coloquei o rádio para tocar sem ter bebido nenhuma gota de álcool.

- O que aconteceu, Jeremias? Viu passarinho verde?! - Observou minha mãe.

- Não posso me sentir feliz?

- Pode, mas é que é tão raro!

- Mas não é impossível.

Por volta das dezesseis horas, Aírton me liga.

- Oi amor! Sou eu. - Ele disse quando atendi ao telefone.

- Oi! Já tava preocupado, você ficou de ligar cedo.

- Pois é, sobre isso que eu queria falar contigo. Hoje não amanheci me sentindo bem... parece que eu to com febre... to me sentindo mal. Não dava pra você vir aqui pra minha casa? - Isso significava ter que rever Plínio e, talvez, Jonas. Durante todo esse tempo evitei a casa de Aírton para não ter que passar por uma situação constrangedora.

- Tudo bem! Já que você tá se sentindo mal eu vou pra aí... - Não me agradava mesmo a idéia de ter que voltar àquela casa. Mas enfrentaria qualquer coisa por Aírton.

Por volta das dezenove horas cheguei à casa de Plínio. O próprio veio me atender.

- Oi, querido! Tá sumido! - Sempre com seu tom irônico.

- É... Por acaso, eu tive um motivo pra vir aqui hoje. - Não tinha mais paciência com ele.

- Qual? Eu?

- Não. Você não faz o meu tipo... Eu to procurando Aírton. Ele tá aí?

- Entra. Ele tá lá no quarto. - Parecia que ele tinha prazer em me irritar.

Para ir até o quarto de Aírton era necessário passar pela cozinha. Assim que entrei, avistei Jonas. Meu coração disparou.

- Oi, Jonas. Tudo bem? - Perguntei, meio sem graça.

- Tudo. - Respondeu sem levantar a cabeça da mesa.

Não tinha nada a falar. Passei para o quarto de Aírton. Aquela situação era extremamente constrangedora. Senti-me como se tivesse cometido um crime.

- Oi, amor! - Disse, ao entrar e vê-lo deitado na cama.

- Oi! Que bom te ver aqui! Tava morrendo de saudade! - Nos beijamos.

- Sua aparência não tá legal. O que você tá sentindo?

- Dor no corpo... Mais nas costas... e febre.

- A febre é de quanto?

- Trinta e oito.

- Quando que começou?

- Ontem de noite. Deve ser uma gripe forte.

- É verdade... Você tá tomando remédio?

- To. Aqueles ali - Eram comprimidos de medicação antigripal.

- O teu problema é que você se alimenta muito mal! Só come besteira!

- Mas eu não tenho fome!

- Você vai me prometer que vai passar a se alimentar melhor. Promete?

- Claro que prometo! Prometo tudo ao meu amorzinho. - Puxou-me e nos beijamos.

Naquele sábado ficamos conversando e namorando. Em um determinado momento, achei que ele havia melhorado. Bem mais tarde, depois que Jonas tinha ido embora e Plínio ido dormir. Deca estava trabalhando. Fui até a cozinha e preparei um lanche para Aírton. Ele quase não comeu nada, como sempre.

Resolvi dormir com Aírton, caso ele precisasse de algo. Preparei uma cama improvisada no chão e deixei Aírton na sua, que era pequena.

No dia seguinte, acordei cedo e procurei medir a sua temperatura. Estava com trinta e oito e meio. Fiquei preocupado e o acordei para dar um antitérmico. Ele não quis mais dormir.

Curtimos o domingo juntos. Ele ainda levantou para dar uma volta pelo quintal. Plínio havia saído e Deca dormia, pois trabalhava em regime de plantão e devido a isso tinha passado a noite toda acordado.

Fiz o almoço, auxiliado por Aírton que sentado à mesa, ensinava-me. Eu não sabia cozinhar, mas ele sim. Almoçamos, mas Aírton quase não comeu.

- Você precisa comer Aírton! Eu to te achando com uma aparência péssima.

- Deve ser uma gripe encubada... A febre também tira a fome.

- Você não acha melhor ir ao médico?

- Que besteira, Jeremias! É só uma gripe! - Apesar de sua aparência, não dei importância. Achei que era realmente uma gripe forte.

No final da tarde de domingo, havia chegado a hora de eu ir embora.

- É uma pena, mas eu preciso ir... - Falei contrariado.

- Fica aqui essa noite.

- Não posso, amor. Amanhã eu trabalho. Esqueceu?

- Que pena! Já to com saudade.

Antes de me despedir medi sua temperatura que tinha voltado aos trinta e oito e meio. A aparência de Aírton estava péssima, apesar de mostrar sempre bom humor. Ele era um cara divertido naturalmente.

- Trinta e oito e meio de novo! Vamos ao médico Aírton?!

- Aonde tem médico essa hora do domingo?!

- Isso é verdade... Então me promete que você vai amanhã!

- Tá legal. Prometo.

Fui embora muito preocupado, mas depois acabei me convencendo que não era nada grave.

Na segunda-feira o dia foi extremamente agitado no meu trabalho, devido a um corte no número de funcionários, que ocasionou mais de cinqüenta demissões. Como trabalhava no departamento pessoal não paramos o dia todo.

Tentei por duas vezes ligar para o trabalho de Aírton, mas o telefone estava sempre ocupado. Era sempre muito difícil ligar para o trabalho dele.

Na casa de Aírton não tinha telefone. Naquela noite não dormi direito. Desde que começamos a namorar não tínhamos passado um dia sem se falar. Um pressentimento me dizia que algo não estava bem, no entanto, cheguei à conclusão que se acontecesse algo mais grave alguém me avisaria. Aírton daria o meu telefone ou Jonas, que também o tinha.

No dia seguinte, esperei dar dez horas que era quando ele entrava no banco e fui até o orelhão em frente à firma para telefonar, pois não tínhamos autorização para ligar pelos telefones da empresa.

- Alô, por favor eu poderia falar com o Aírton?

- Quem tá falando? - Estranhei aquela pergunta.

- É um amigo dele.

- Olha... aconteceu uma coisa chata com ele... - Senti um frio na coluna.

- O que foi?! Fala!

- Ele faleceu na noite de ontem...

- Como?! Eu tive com ele domingo!

- Foi pneumonia... A doença avançou muito rápido... O enterro vai ser hoje no Cemitério do Caju, às quatro da tarde.

Coloquei o telefone no gancho sem dizer mais nada. Minha cabeça parecia que ia explodir. Senti-me tonto e sentei-me na calçada. Fiquei ali por muito tempo. Não era possível, novamente uma pessoa que eu amava foi embora para sempre... Por que Deus não me levava?! Minha vida não prestava para nada!!! Por que levou minha amiga?! Por que levou o homem que eu amava?! Por quê?!!!

Levantei-me e andei por muito tempo sem destino, até parar em um botequim. Tomei várias doses de cachaça com batida de mel. A essa altura não me lembrava de trabalho, de família, de ninguém. Estava em verdadeiro estado de choque. Quando percebi, estava tão bêbado que andava cambaleando. Peguei um ônibus que passava, sem me importar para onde ia. Depois de algum tempo de viagem, avistei a praia. Saltei e andei até chegar à beira. Sentei-me e fiquei olhando o mar. Não conseguia chorar, não conseguia falar, não conseguia me mexer.

A noite chegou, o efeito do álcool passou e a minha consciência retornou. Percebi que tinha abandonado o trabalho e que já estava escuro. A morte de Aírton tornou-se real e chorei convulsivamente, durante muito tempo. Depois de ter conseguido desabafar. Retornei ao trabalho. Todos já haviam ido embora. O porteiro ao ver meu estado, deixou que eu entrasse e pegasse minha mochila.

Como aconteceu com Rosângela, não fui ao enterro de Aírton, nem nunca mais tive contato com ninguém do seu convívio. Nunca dei importância a cerimônias, e enterro era uma que achava totalmente dispensável. Queria ter a lembrança de Aírton vivo; da sua energia, da sua alegria, do nosso amor...

Tive que criar uma doença que justificasse a ausência do trabalho e minha aparência péssima. Fiquei de licença médica por uma semana. Meus pais ficaram apreensivos em relação a minha saúde, pois parei de comer e comecei a ter febre. Não podia falar a respeito do que me consumia. Era melhor que minha família achasse que estava doente. Ficava o dia todo de cama.

Procurei forças dentro de mim e superei, em parte, a perda. Voltei ao trabalho e não foi fácil explicar o porquê do meu sumiço no dia da morte de Aírton. Meu chefe relevou, afinal, minha demissão não traria nenhuma vantagem para a empresa, visto que teriam que pagar o mesmo salário baixo e treinar outro funcionário para fazer a mesmo serviço. Deu-me uma segunda chance.

Depois da morte de Aírton, uma enorme sensação de vazio instalou-se em minha vida. Falava pouco. Não tinha amigos. Meus pais me achavam um peso para a família. Meu trabalho era medíocre. Minha vida não tinha nenhum sentido. Não tinha sonhos, nem força para me matar... Não conseguia me conformar com o fato de que uma pessoa que amava a vida, como Aírton, pudesse morrer, desaparecer de uma hora para outra.

Sobrevivia... Apenas isso... Durante muito tempo fiquei nesse estado letárgico. Do trabalho pra casa, consumido pelo álcool nos finais de semana. Era a velha vida monótona e vazia que se apresentava novamente. Achava que era o fim da estrada. Perder duas pessoas que amava através da morte, deixou-me a sensação de que nada mais aconteceria na minha vida sem que tivesse um ponto final triste, trágico.

Mas, dentre outros motivos,  esse era o sofrimento da perda do primeiro amor. Outras paixões viriam, acompanhadas de sofrimentos diferentes e desfechos imprevisíveis...

2 comentários:

Aline Teodosio disse...

Nossa, quando tudo parece começar a se acertar, vem uma bomba.. :(

Anônimo disse...

Caramba, o livro é viciante... show amei!