domingo, 9 de setembro de 2007

4º Capítulo - Parte III

Na Quarta-feira de Cinzas, nada poderia me aborrecer. Estava inebriado pelos acontecimentos do dia anterior. Lembrava do samba, do efeito que álcool exerceu sobre mim, da sensação de liberdade, do primeiro beijo, da transa. Foram muitas novidades para uma vida tão monótona. Fiquei trancado em meu quarto alimentando-me das recordações. Só saí para comer algo, quando já havia anoitecido.

Os dias passaram e as recordações dos acontecimentos do Carnaval foram se diluindo em minha mente. Pouco a pouco minha vida voltava ao normal. Era o emprego que não aparecia. Era meu pai que não parava de me atormentar. Continuava sozinho e infeliz. Quase nada havia mudado. A não ser pela descoberta que o álcool aliviava minhas angústias e eliminava a timidez. Essa foi a pior e a melhor coisa que surgiu em minha vida, naquele momento. Depois desse Carnaval, sempre que tinha uma oportunidade bebia. E cada vez em quantidades maiores.

Depois de alguns meses passei de batidas de pêssego e maracujá para cachaça misturada com qualquer coisa, poderia ser suco de fruta, refrigerante e, quando o dinheiro acabava, usava groselha. Esperava meus pais e meu irmão dormirem, preparava varias doses e me embriagava. Bebia tanto que no dia seguinte continuava bêbado até a metade do dia.

No início meus pais não deram muita importância ao fato, mas quando comecei a amanhecer bêbado, começaram as cobranças.

- Que bafo é esse, Jeremias?! Você tá bêbado, de manhã?! Que horas que você tá bebendo?! - Meu pai me interpelou, durante o café da manhã.

- Foi só um pouco... ontem de noite... pra relaxar...

- Imagina se fosse pra tomar um porre! De hoje em diante não quero ver você bebendo desse jeito! E o emprego?! Nunca mais te vi saindo pra procurar! Toma jeito, Jeremias, que eu já tou perdendo a paciência contigo!

Não parei de beber. Passei a dissimular o meu estado a cada manhã. Pingava colírio para aliviar o congestionamento dos olhos e enchia a boca de pastilha de hortelã.

Continuava a dar aulas particulares, mas só na parte da tarde, quando já havia passado o efeito do álcool.

Voltei a procurar emprego. Antes de cada entrevista, entrava em um botequim e tomava uma dose de cachaça com refrigerante. Em muitas fui dispensado assim que chegava, pois percebiam meu estado.

Um dia, por ironia, minha embriaguez me ajudou.

- Qual o seu nome? - A psicóloga perguntou.

- Jeremias Pires Mendonça. - Pegou a minha ficha e leu.

- Pelo que posso ver, você não tem experiência.

- Não. Mas tenho muita vontade de trabalhar. - Minha boca estava cheia de balas de hortelã.

- Que tipo de emprego poderia lhe interessar? - Seu tom de voz era pausado e seu olhar era crítico.

- Qualquer um que a senhora tiver. Eu preciso muito de um emprego. Meu pai é alcoólatra e bate na minha mãe. Ela trabalhava em uma fábrica, mas foi mandada embora. Estamos passando necessidade... O que a senhora puder arranjar eu aceito! - Embriagado tive coragem de inventar essa história maluca e ainda chorar. Senti que ela se sensibilizou com a situação criada por mim.

- Calma, Jeremias! Bebe um pouco de água.

- A senhora me desculpa, mas é que eu preciso muito de um emprego!

- Eu vou ver o que posso fazer por você. Seu curriculum tá aqui?

- Eu coloquei junto com a ficha.
- Ela procurou na mesa e achou.

- Assim que tivermos alguma vaga, entraremos em contato com você. - Aquela frase era familiar e não aguentava mais escutá-la.


Uma semana depois, a psicóloga ligou para minha casa e deixou um recado com minha mãe.

- Jeremias, ligaram de uma firma mandando que você se apresente na segunda-feira!

- Qual o nome da firma?!

- Tá anotado aqui... é... Sonda Engenharia S.A.
- Imediatamente, lembrei-me do "teatro" que havia feito. Tinha dado certo!


O resto da semana que sucedeu ao chamado da empresa, bebi muito.

Sempre existe um motivo para quem quer beber. Se está frio é para esquentar. Se está calor é para refrescar. Se está triste é para alegrar. Se está alegre é para comemorar, e foi baseado nessa última opção que me embriaguei.

Meus pais revistavam meu quarto todos os dias, a fim de encontrarem garrafas de bebida. Não conseguiam encontrar nada, pois passei a comprar uma garrafa de cada vez e a escondê-las no quarto de empregada.

Na segunda-feira compareci à Sonda. Era uma grande empresa de engenharia situada em Botafogo, em um prédio luxuoso de nove andares. Assim que cheguei fiquei surpreso, pois o Departamento de Seleção ficava em outra rua. Não tinha a menor idéia de como era a empresa.

Procurei o Departamento Pessoal, como a psicóloga havia instruído.

- Bom dia, meu nome é Jeremias. A Dra. Rosana mandou que eu me apresentasse aqui para começar a trabalhar. - Disse ao chegar no departamento e ser atendido por uma moça chamada Célia.

- Denise! Acho que esse aqui é o rapaz que veio ocupar a vaga de auxiliar de escritório. O nome dele é Jeremias. Vai até ali e fala com ela que ela vai fazer a sua admissão. - Indicou-me a mesa da Denise. Estava muito tenso e de ressaca. Não havia bebido nada, pois não queria arriscar a perdeu meu primeiro emprego, antes de começar.

- Bom dia, Jeremias! Meu nome é Denise. Você foi selecionado para ocupar a vaga de Auxiliar de Escritório aqui mesmo no Departamento Pessoal. Como você tá iniciando, seu salário será o salário mínimo, com possibilidade de aumento depois do prazo de experiência... Alguma outra pergunta?

- Não. Pra mim tá bom. - Qualquer emprego seria melhor que agüentar meu pai me chamando de inútil.

A Empresa era muito bonita, mas o Departamento Pessoal não era nada interessante. Os móveis eram velhos, o espaço era pequeno, os funcionários eram feios e mal humorados. Depois de conhecer todos os andares, concluí que o Departamento Pessoal foi esquecido pelo resto da empresa, inclusive os salários dos funcionários eram bem menores que o resto da empresa. Mas relevei tudo, pois não podia nem pensar em largar aquele emprego. Meu pai não me perdoaria.

- Finalmente você tomou um rumo na vida, Jeremias! Agora é só se empenhar e passar no vestibular para fazer Administração. A firma que você tá trabalhando é grande e com a faculdade você vai poder fazer carreira. - Disse, meu pai, uma semana depois de eu ter começado a trabalhar.

- É verdade... - Não conseguia contrariar meu pai em nada.

Praticamente não tinha auto-estima. Tinha medo da minha família, do mundo, de mim mesmo. Talvez por causa da minha família ter sempre me ensinado que eu era uma droga de ser humano, tenha acabado acreditando nisso e construído um Jeremias que simplesmente não funcionava...

Sentia que cada vez mais que minha vida ia tomando rumos errados, tudo por conta de ser um fraco, sim, eu era um fraco, infeliz, que tinha muita pena de mim mesmo. Ao mesmo tempo não conseguia reunir elementos para melhorar esse traço de personalidade... A vida ia afundando num redemoinho de frustrações...

Um comentário:

Raphael Martins disse...

Kct.. que porre esse seu pai !