domingo, 8 de julho de 2007

2º Capítulo - Parte I

Meu pai estava no trabalho, meu irmão no colégio e minha mãe havia ido ao supermercado.

Sozinho em casa comecei a sentir uma sensação estranha. Como se fosse um incômodo, uma inquietação. Sentia falta do relacionamento com meu primo Cláudio. Ele agora estava namorando uma menina chamada Neide e nunca mais tínhamos feito "aquilo". Nesse momento desejei muito que ele estivesse ali. Não sabia explicar o porquê... Relembrei o que fazíamos da cama... Fiquei excitado... Mais excitado... Uma extrema sensação de prazer acompanhada de contrações me dominou... Ao ver meu sêmen, fiquei assustado...

Aos doze anos, era a minha primeira masturbação. Eu entrava na puberdade. A partir desse dia todo o meu "castelo de felicidade" começou a desmoronar. Aos poucos meu corpo começou a mudar. Primeiro minha voz... Ah! A minha voz... Tão bonita, limpa e aguda, começou a dar lugar a uma voz grave e desafinada. Eu não iria ficar com aquela voz!... Aquela não era a minha voz!... Devido a um mecanismo psicológico desconhecido, comecei a suprimir a voz de homem que surgia e retornei a voz de criança que se identificava comigo. No entanto, ela não era mais a mesma de antes. Rouca e abafada, parecia que estava sempre gripado.

Depois foi o meu corpo. Começaram a surgir pêlos grossos pelas pernas, braços, axilas e rosto. Minha aparência ficou mais bruta. Olhava-me no espelho e detestava aquela imagem, nunca pensei que pudesse ficar tão "deformado". Minha pele ficou gordurosa e começaram a nascer espinhas em meu rosto. Todos os dias eu raspava os poucos pêlos da barba para que não aparecessem. Passei a usar calças compridas e camisetas de manga, até no verão. Sentia-me o mais feio dos seres humanos. Eu não era homem... Por que Deus havia me dado aquele corpo para viver?... Olhava as meninas e achava que o corpo delas era o que eu deveria ter... Todos os meus gostos eram femininos... Minha atração sexual era pelos homens... Por quê?!!!... Por quê?!!!... Desejei morrer...

Os garotos da rua, que também estavam se transformando em homens, afastaram-se de mim, pois percebiam que meu jeito não correspondia ao jeito masculino deles. As meninas não se aproximavam de mim, por me acharem estranho. Eu passei a evitar o pessoal da rua, a minha família, todos...

Meu pai começou a perceber minha homossexualidade, mas minha mãe fazia de tudo para desviar a atenção dele. Eu fazia um esforço sobre-humano para esconder as minhas inclinações. Tornei-me uma pessoa sem expressão, que raramente falava. Enfim, um ser absolutamente reprimido.

Era março. Recomeço das aulas.

Por minha vontade eu ficaria o resto da vida trancado dentro do meu quarto esperando a morte chegar e me libertar daquela situação. No entanto, minha família jamais aceitaria que eu abandonasse os estudos.



Naquele ano eu começaria o ginásio. As aulas seriam ministradas na parte da tarde, diferente do primário que era no turno da manhã.

Primeiro dia de aula.

Fiquei numa turma em que estudavam a maioria dos garotos e meninas da rua. De todos, apenas uma pessoa me recebeu bem, uma garota chamada Celina. Por ser muito extrovertida, ela não se importava com os comentários dos meninos. Puxou uma cadeira e chamou-me para sentar ao seu lado.

Entrou na sala uma professora mal encarada.

- Boa tarde! Meu nome é Esmeraldina. Eu sou a professora de Estudos Sociais... Eu vou dar aula as segundas e quartas, nos dois primeiros tempos... Agora eu vou fazer a chamada. - Meu coração disparou. Percebi que estava na penúltima fileira da sala e que a minha voz não tinha mais a mesma potência de antes. - Adriana Peixoto de Paula!... - A cada nome que chamava eu ficava mais descontrolado. - Jeremias Pires Mendonça!

- Presente. - Minha voz que já não era alta, saiu mais baixa ainda, devido ao nervosismo.

- Jeremias Pires Mendonça! - Repetiu e todos os garotos riram. Em questão de segundos toda a sala ria. Senti-me péssimo.

- Ele tá aqui professora! Ele tá rouco! - Celina gritou e a professora passou para o próximo da lista.

Todos os dias na hora da chamada, a situação se repetia. Mesmo que eu sentasse em frente ao professor, na hora em que chamava o meu nome todos os garotos riam. Em especial, um, chamado Téo; gordo e dois anos mais velho que eu, era o líder da bagunça na turma. Andava sempre cercado de três outros que faziam tudo o que mandava. Esse Téo começou a me perseguir. Fazia piadas, jogava bolinhas de papel. Sempre que eu entrava na sala todos os garotos riam, devido a coisas que falava. Aquilo começou a me irritar.

Um dia, cheguei ao refeitório e Téo era o último da fila.

- Olha quem chegou pessoal! A florzinha da sala! Vem cá, vem, dá beijinho num macho, dá! - Fechou os olhos e ficou jogando beijos, numa distância de um metro. Não pensei duas vezes. Fechei a mão, reservei toda a minha força e dei um belo soco na sua cara. Todos os outros garotos, quando viram a minha reação, ficaram estarrecidos por alguns instantes. Téo abriu os olhos e sua expressão era de puro ódio. Avançou para cima de mim e os outros meninos o seguraram.

- Seu viado! Filha da Puta! Vou te pegar lá fora! – Gritou, seguro pelos outros. Imediatamente o clima de chacota se desfez, mas eu sabia que aquilo não acabaria ali.

3 comentários:

Ana Paula disse...

Você consegue transmitir todo o terror que teve que enfrentar nesta época de tanta fragilidade.
Olhos marejados. É assim que estou.
Criança também são cruéis.
beijo

Pandora disse...

As vezes eu gosto mais de trabalhar com educação infantil do que com adolescentes por isso... as crianças pequenas não podem sair do controle desse jeito... Me doí no coração pensar que crianças vivem isso todo dia.. Queria que todas conseguissem superar!!!

Furlan disse...

Você já leu 'As Academias de Sião', de Machado de Assis, Dama?
É claro que no conto de Machado a coisa foi bem mais suave. Sua vida foi um martírio a cada dia, e eu estou de coração apertado, relendo isto tudo.
Quando fui estudar Espiritismo (do Kardec), passei a entender que eu sou o que sou por dentro. Muitas vezes ando pelas ruas, a pé, e sinto que eu (meu eu verdadeiro) estou transportando meu corpo, mentalmente, para algum lugar - e meu corpo é o instrumento material que me leva, sob comandos mentais, para o local até onde quero ir.
Você é uma heroína, por ter conseguido sobreviver, e com classe, a isso tudo.
Beijos